Folha de S. Paulo


Com dados novos e método criativo, Piketty balança teoria econômica

Troche
Ilustração do artista Troche
Ilustração do artista Troche

Em 2014, vários dos melhores economistas do mundo faziam questão de discutir "O Capital no Século 21", o improvável best-seller de Thomas Piketty.

Um livro denso, de mais de 600 páginas de história e estatística econômicas, tornara-se a obra de não ficção mais vendida da primavera dos Estados Unidos. Aparecia em capas dos jornais.

Piketty, apesar de laureado, é ainda jovem, à beira dos 46 anos, respeitado mesmo em centros ortodoxos da disciplina (foi professor do MIT ao 22). Por que o tumulto?

Além de escrever trabalho rigoroso, Piketty sempre quis lançar polêmica com seu livro, que termina com a sugestão de aumento de impostos. Lançada em 2013 na França, a obra não causara rumor fora de círculos acadêmicos e políticos restritos, porém.

Nos EUA, Piketty entrou no centro da batalha política e intelectual séria sobre desigualdade, mais quente depois da crise de 2008. A disputa fora às ruas em 2011, com o movimento "Occupy Wall Street", por exemplo, um ataque ao "1% mais rico". Desde os anos 1980, a desigualdade cresce nos EUA; os salários medianos estagnaram desde então.

As pesquisas de Piketty tentam explicar o motivo dessa iniquidade crescente, similar em economias mais ricas, e pensá-la em longo prazo (de 100 a 200 anos). Para tanto, desenvolveu métodos de estudo sobre rendimentos do trabalho e o capital.

Os números melhores vêm basicamente de duas fontes. Uma delas são pesquisas em que amostra de indivíduos responde a questionários a respeito de quanto ganham, como a Pnad brasileira.

Esses levantamentos tendem a subestimar rendimentos dos muitos ricos e aqueles não derivados do trabalho. Tal deficiência pode ser sanada por dados das declarações de imposto e patrimônio. Combinar "Pnads" e "IRs" não é simples.

De posse desses dados, Piketty mostrou a concentração crescente de renda e capital no centésimo ou no milésimo mais rico. A concentração, brutal na virada do século 19 para o 20, caíra entre a Segunda Guerra e os anos 70, para voltar a crescer, na direção daquela dos anos da "Belle Époque": a do capitalismo patrimonial, em que herdeiros vivem de rendas.

A concentração da riqueza caíra no pós-guerra devido a guerras, inflações e aumento do poder político dos mais pobres. O enfraquecimento dessa tendência popular e uma engrenagem da economia capitalista deram cabo do período mais igualitário.

O Capital no Século XXI
Thomas Piketty
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Piketty acredita ter demonstrado o fator da tendência de aumento da desigualdade de longo prazo. Quando a taxa de retorno do capital supera a taxa de crescimento da economia (do PIB), o rendimento de quem tem patrimônio produtivo (capital) tende a crescer mais rápido do que o aumento dos salários (que não supera o aumento do PIB por períodos longos). Como a propriedade do capital é muito mais concentrada que a do rendimento do trabalho, patrimônio e rendimentos tendem a se concentrar ainda mais.

Com dados novos e método criativo, mas ortodoxo, Piketty balança a política e modelos da teoria econômica.


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