Folha de S. Paulo


Crítica

Em 'Vermelho Russo' simpatia de protagonistas contamina resultado

Divulgação
Cena do filme 'Vermelho Russo'
Cena do filme 'Vermelho Russo'

Em "Vermelho Russo", duas jovens atrizes, Manu (Maria Manoella) e Marta (Martha Nowill) decidem que, para se aperfeiçoar na profissão, nada melhor do que uma viagem a Moscou, onde terão aulas no Método Stanislávski.

A primeira parte do filme de Charly Braun é, digamos, turística. E um turismo que não deixa de ser interessante, por ao menos dois motivos: primeiro porque nos introduz a uma Moscou de fato turística: a rua, o Kremlin, os passantes; segundo porque nos leva à natureza documental do filme.

Existe um pouco dessa familiaridade inútil que o turista mantém com o lugar (não vê a cidade, é visto por ela) e um tanto do estranhamento próprio ao desconhecimento completo da língua e, em parte, dos costumes.

É interessante, em suma, ver Moscou como uma grande cidade, um lugar qualquer do mundo, não a capital do mal (ou do bem, conforme prefira o freguês).

Mas logo virá a pergunta: será isso mais que "interessante"? Percebemos logo que caminhamos pouco nesse setor, que o jogo estranhamento/familiaridade não rende muito, e que Braun ocupa esse vazio com planos bem limpos, bem clean, talentosos.

De novo, o espectador estará no direito de perguntar se isso seria mais que "interessante". O verdadeiro assunto do filme começa a se revelar apenas na metade, mais ou menos, quando o que era então uma amizade inabalável (Marta e Manu) começa a mostrar suas fraturas.

Essas fraturas têm relação com o que elas são: Manu bem narcisista, Marta bem insegura quanto a seus afetos. Esses diferentes modos de ser afetarão tanto a amizade quanto as aulas de interpretação que estão tendo.

Não há indiscrição em dizer que a evolução das aulas revelará que conhecer seu papel e conhecer a si mesmas são coisas ligadas. É o processo que importa.

"Vermelho Russo" não deixa de lembrar, sob vários aspectos, "Bollywood Dream" (2010), em que três atrizes embarcavam para a Índia com o sonho de conseguir trabalho em um filme local. Ambos, aliás, parecem filmes em que atores e técnicos tiveram bastante prazer em realizar.

Assista ao trailer do filme 'Vermelho Russo:

Assista ao trailer

retardando sua evolução dramática (e mesmo deixando de explorar aspectos que talvez viessem a enriquecê-la).

Talvez a melhor explicação seja mesmo a busca de certa espontaneidade, de melhor misturar os papéis de atrizes e personagens (ou seja, Marta/Martha, Manu/Manoella).

Pessoalmente, não consigo aceitar essa solução como a mais eficaz: toda a trama envolvendo as aulas e a evolução dramática das atrizes poderia ser bem enriquecida, enquanto os aspectos turísticos do filme talvez não perdessem em ser lançados pouco a pouco, ao longo da produção.

Temos em "Vermelho Russo" um resultado não raro interessante e contaminado, sem dúvida, pela simpatia das atrizes. Mas esse é também seu limite.

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VERMELHO RUSSO
DIREÇÃO: Charly Braun
PRODUÇÃO: Brasil, 2016; 12 anos
QUANDO: em cartaz
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