Folha de S. Paulo


Crítica

Forçada, narração de João Moreira Salles joga o filme para baixo

Divulgação
Cena do documentário
Cena do documentário "No Intenso Agora" de João Moreira Salles

João Moreira Salles é queridinho de boa parte da crítica. Algo curioso aconteceu com "Santiago" (2007), longa anterior: 90% adora, 9,9% odeia, num dos maiores "ame-o ou deixe-o" do cinema brasileiro.

Talvez essa polarização seja uma bobagem porque o trabalho de Salles, geralmente, é medíocre. As exceções são o curta "Notícias de uma Guerra Particular" (1998) e certos momentos reveladores de "Entreatos" (2004).

"No Intenso Agora" é seu retorno ao cinema após dez anos. Aclamado no Festival de Berlim e premiado no conceituado Cinéma du Réel ""festival francês de documentários, o longa tem sido esperado como se Salles fosse o maior documentarista vivo (o que está bem longe de ser).

Em pouco mais de duas horas, o filme parte das viagens de sua mãe nos anos 1960 para entender a conturbada crise econômica e política brasileira dos últimos três anos.

Moreira Salles trata de acontecimentos importantes da década: a Revolução Cultural chinesa de Mao Tsé-Tung, as rebeliões estudantis de maio de 1968 em Paris, e a derrocada da Primavera de Praga.

O longa é todo montado com imagens de arquivo, principalmente material de filmes de craques como Chris Marker, William Klein, André Labarthe e Jean-Louis Comolli mas também com imagens registradas por sua mãe. A costura é interessante, mas a narração do diretor, quase onipresente e frequentemente forçada, quando não irritante, joga o filme para baixo.

A necessidade de repassar a vida pessoal, em princípio, não é um problema. Mas atrapalha, por exemplo, quando força a barra para atenuar uma má consciência burguesa.

Exemplo: logo no início, ele comenta que quando a pequena criança se aproxima da câmera e deixa a babá fora de quadro temos uma marca do desajuste social que nos atinge há muito tempo. Não seria simplesmente porque qualquer criança é sempre mais interessante do que um adulto?

Em outros momentos, essa má consciência retorna. Pior é o cinismo: Salles, que, como o filósofo Jean-Paul Sartre, parece não ver razão para a rebeldia destrutiva e nada propositiva do estudante Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do Maio de 1968, parece nos dizer que é inútil ir às ruas e protestar, porque o sistema vencerá sempre.

Entremos então em modo irônico (sempre é bom avisar). Aceitemos, portanto, tudo que nos é imposto e sejamos conformistas. Com muito dinheiro no bolso, que é bem mais fácil.

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NO INTENSO AGORA
DIREÇÃO: João Moreira Salles
PRODUÇÃO: Brasil, 2017; 12 anos
QUANDO: hoje, às 21h, e dom. (30), às 17h, no Cinearte, em SP


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