Folha de S. Paulo


Em mostra em Milão, Larry Fink traça paralelo entre beats e celebridades

Muito do que se entende por tribos urbanas no Ocidente tem relação direta com a contracultura e a cultura de massa. A origem dos rótulos nos quais a moda, o cinema, a publicidade e a música encaixam as pessoas coincide com as mudanças de comportamento do pós-Guerra.

Hipsters, hippies, teds, punks. Todos tinham em comum a procura por se diferenciarem do status quo, e entre os olhos que melhor traduziram essas idiossincrasias estão os do fotógrafo americano Larry Fink, 76.

Voyeur dos estertores da geração "beat" no Meio-Oeste americano, no final dos anos 1950, e, a partir dos 1990, das rodas dos ricos e das celebridades de Hollywood, ele é figura central da exposição "The Beats and The Vanities" (Os Beats e As Vaidades), aberta até julho deste ano no museu Armani Silos, em Milão.

A mostra -cujo nome se compõe dos títulos de duas séries de Fink- constrói metáforas sobre o narcisismo intrincado nas bolhas sociais e o individualismo de duas tribos cronologicamente distantes, mas que, diz o fotógrafo à Folha, "têm pontos em comum que você nem imagina".

"Dentro de níveis muito, muito opostos de egoísmo, tanto os 'beats' quanto as 'vaidades' [ele se refere aos vaidosos da indústria do entretenimento] vivem dentro de um mesmo vale. Cada conjunto dessas pessoas se modela para estar no topo da montanha", explica.

Os beats foram um grupo de jovens americanos dos anos 1950 que tinha aspirações revolucionárias; eles eram nômades e contra o sistema, o que compreendia do consumo às normas de conduta da época.

Na literatura, o movimento produziu nomes como Jack Kerouac e Allen Ginsberg e, na música, o compositor Robert Allen Zimmerman -mais tarde, Bob Dylan.

Foi essa tribo que balizou o chamado "espírito jovem" moderno, inspirando gerações posteriores e, principalmente, a hippie.

Fink, um dos últimos "beats" da sua geração, define a juventude do seu tempo com melancolia. "Em sua anarquia rebelde, [os beats] pensaram ser a energia 'outsider' que limparia a cultura com sua fome e curiosidade. Com o tempo, percebi que estávamos delirando", diz ele.

Diferentemente dos registros de Ginsberg, que captou os colegas artistas e tem as séries mais conhecidas de imagens da geração beat, as fotos de Fink colocam em primeiro plano hábitos e particularidades desses jovens em um ambiente comunitário.

No mesmo plano íntimo estão as imagens das celebridades, nas quais o fotógrafo virou especialista quando passou a observá-las em festas da revista "Vanity Fair".

Natalie Portman, Brad Pitt e Meryl Streep estão em algumas das 71 imagens da série "The Vanities" -que compõe a exposição ao lado de 54 fotos da série "The Beats".

Para ele, não há conotação política ou "cinismo" em suas fotos. Mesmo em séries como "Social Graces", clicada nos 1970 e famosa por mostrar as disparidades entre as vidas dos nova-iorquinos e da classe operária da Pensilvânia.

"Estou sempre procurando um momento em que me encontro dentro do outro, seja ele quem for. É um reflexo de nossa humanidade mais profunda", define Fink, que procura não problematizar seu próprio legado.
"Eu realmente não estou passando qualquer julgamento. Minhas fotos podem refletir a sociedade americana, mas elas fazem isso mostrando pessoas específicas em situações específicas."

HIPSTER
Não é por acaso que sua nova mostra tenha sido organizada pela Armani Silos, espaço concebido pelo estilista italiano Giorgio Armani para abrigar eventos que unam moda e outras facetas da cultura.

É difícil não relacionar as imagens dos "beats" de Fink à estética "hipster" que atualmente define jovens amantes da cultura independente, no cinema ou na música, com referências visuais próprias daqueles tempos. Segundo o fotógrafo, a comparação, porém, fica na aparência.

"Os 'beats' eram muito políticos na forma como viam o mundo, queriam mudar as coisas. Não tenho certeza de que os 'hipsters' sejam tão políticos, embora sua aparência possa ecoar a dos 'beats', com as camisetas, os jeans, as botas, as camisas xadrez e, claro, as barbas", diz Fink.

"[Nos 1940] 'hipster' tinha a ver com alguém 'cool' que ouvia jazz. Hoje, você sabe, é mais uma coisa de moda". E, ele sabe, de muita vaidade.


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