Folha de S. Paulo


À frente da Mário de Andrade, editor Charles Cosac fala em 'novo inferno'

Charles Cosac, 52, tem pesadelos com a Mário de Andrade. Sonha que ela pega fogo. "Tenho muito medo de incêndio, passei por um na infância", afirma, batendo na madeira.

Visto por funcionários como "excêntrico", "criativo" e aberto ao diálogo, o milionário e ex-editor da Cosac Naify, extinta em 2015, diz viver seu novo "inferno" ao mesmo tempo em que se empolga com o primeiro emprego.



Folha - Por que aceitou o convite para o cargo?
Charles Cosac - Preciso de um inferno. Não sei viver em paz.

Como é seu cotidiano?
Hoje tenho patrões, sou subordinado. Na Cosac, não. Sempre almejei uma coisa de 8h às 17h, com vale-transporte, tíquete-refeição, férias. Eu me sentia menos cidadão pelo fato de nunca ter tido uma carteira de trabalho, ou por não saber o que é PIS ou Pasep.
São Paulo é uma cidade onde as pessoas vivem de projetos, elas se apresentam e falam o nome do projeto delas. Como eu posso viver aqui sem projeto?

Como ficará a programação cultural da biblioteca?
Começa atrasada, mas cresce. Estamos tendo concertos de música erudita, jazz, flamenco.

Charles Cosac fala à Folha sobre a Biblioteca Mário de Andrade

E a roda de samba de antes?
[Sussurra e faz que "não" com a cabeça] Cortei. Já basta o samba do boteco ao lado. Não aguento duas rodas de samba. Esse samba virou flamenco e chorinho. Achei mais adequado.

Não é uma medida elitista?
A única coisa [da gestão anterior] eliminada foi o samba, porque já há samba nos bares ao redor. É claro que tenho minhas preferências musicais, mas elas não estão sendo impostas. Senão eu não botava chorinho, eu odeio chorinho.

As festas também acabam?
Absolutamente [sim].

Você continua pagando coisas do seu bolso?
Muitas. Preferiria não enumerar. Mas por que não ajudar a entidade onde trabalho? Eu cedo meu salário para a biblioteca, ou seja, trabalho gratuitamente.

Qual sua relação com bibliotecas?
Fiz coisas horríveis em bibliotecas. No mestrado, em Essex [Reino Unido], descobri que mudando o livro de lugar poderia ter todos os livros que quisesse. Fiz minha biblioteca dentro da biblioteca, no departamento
de química. Espero que ninguém faça o que fiz.

Tem sonhos com a Mário?
Pesadelos. Tenho. Tenho muito medo de incêndio. Passei por um no prédio na infância, foi traumático.


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