Folha de S. Paulo


Heloisa Seixas investiga a morte em romance dividido em contos

Heloisa Seixas é a primeira a reconhecer: "Agora e na Hora" é um livro estranho. Trata-se de um romance relativamente curto, que também pode ser lido como uma coleção de contos interligados. Mas ela demorou bastante tempo -esteve às voltas com a escrita desde 2004- para conseguir terminá-lo.

"Sempre parava em algum ponto, pegava outro livro, outro projeto, voltava, parava de novo. Demorei muitos anos a perceber que, por absurdo que pareça, eu tinha medo de terminar o romance. Talvez temesse que acontecesse comigo o que vai acontecer ao personagem: morrer ao botar o ponto final", revela a autora.

Sim, o tema em torno do qual a história (ou as histórias) se desenrola é a morte. Um escritor -que se sente fracassado e incompreendido por seus pares e pela crítica, ganhando a vida com traduções- dedica-se a escrever dez contos, os derradeiros.

Ricardo Borges/Folhapress
A escritora Heloisa Seixas, que lança 'Agora e na Hora
A escritora Heloisa Seixas, que lança 'Agora e na Hora", romance dividido em contos no qual trabalhava desde 2004

Pois, ao concluir o último deles, está decidido a se matar. Antes de pegar o revólver, porém, deixa uma longa carta-testemunho, um texto corrido com reflexões e lembranças, uma explicação desesperada do ato final.

"Quando comecei a escrever, no início dos anos 1990, sentia necessidade de falar sobre três coisas que me assombravam: a paixão, a solidão e a loucura. São os temas de meus três primeiros romances: 'A Porta', 'Diário de Perséfone' e 'Pérolas Absolutas'. Mas, de uns anos para cá, surgiram 'O Lugar Escuro', sobre o Alzheimer, um livro não ficcional, e 'O Oitavo Selo'. A morte está em todos eles", diz Heloisa.

A escritora utiliza um velho mas eficiente truque literário para dar coerência aos relatos entrelaçados. Uma nota explica que duas pilhas de originais -o Livro Um, com os contos, e o Livro Dois, com o testemunho- foram encontradas no apartamento do artista terminal. O recurso deixa Heloisa Seixas à vontade para experimentar tempo e espaço nas histórias, manejar o suspense e caprichar no estilo.

"Os livros se escrevem. Eles se apresentam e dizem: é assim que eu quero ser escrito. A história fala da morte iminente de um escritor. E esse escritor faz contos. Então, os contos foram escritos, bem como os textos sobre a hora da morte de alguns escritores que admiro", diz.

Porque, além do embate vida-morte, "Agora e na Hora" também aborda a própria literatura e os mistérios da criação. São inúmeras as citações, algumas cifradas, outras às claras - Borges, Melville, o cronista José Carlos Oliveira e seu romance de estreia quase secreto, "O Pavão Desiludido".

"As referências literárias são muitas, mas há principalmente os três sobre os quais o escritor-personagem escreve: Albert Camus, Sylvia Plath e Ambrose Bierce. A obsessão dele -que é também a minha, claro- é sobre a hora da morte desses escritores, o desastre de Camus, o suicídio de Plath, o desaparecimento de Bierce. São três espécies de morte, cada uma com sua estranheza", comenta a escritora, que em 1999 organizou e traduziu uma antologia de histórias macabras de Bierce, "Visões da Noite".

Um dos relatos -que está entre os melhores- é uma distopia livresca que se passa num futuro próximo: um homem velho -cujos "pulmões são como cavernas escuras, nas quais a poeira se vai sedimentando com os anos e a cujas paredes em curva aderem ácaros"- vive num bunker repleto de livros de papel, que estão proibidos pelas "leis de purificação intelectual".

"Gostei de escrever um conto de ficção científica, embora não tivesse essa intenção de forma explícita. Surgiu dessa maneira", explica.

O romance é dedicado ao escritor Marcos Santarrita, morto em 2011, tradutor de Stendhal, Conrad, Henry James, Dashiell Hammett e autor de mais de dez obras.

"Santarrita nunca soube da existência de 'Agora e na Hora'. Quando comecei a escrever e a compor o personagem do escritor, pensei nele, usei algumas coisas de sua maneira de se relacionar com a escrita. Mas só. Dali em diante, foi tudo ficção", afirma ela.

Agora E Na Hora - Romance
Heloisa Seixas
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"Mas aí aconteceu uma dessas viradas da vida real: ele morreu. Como se imitasse a história. Fiquei mal. Foi uma das razões que me levaram a adiar a finalização do romance. É por isso que eu digo e repito: escrever é uma coisa muito assombrada".

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AGORA E NA HORA
Autora Heloisa Seixas
Editora Companhia das Letras
Quanto R$ 34,90 (144 págs.)


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