Folha de S. Paulo


Crítica

'Martírio' tenta salvar índios com honestidade, mas esquece da arte

Divulgação
Martirio [Mariírio, Brasil, 2017], de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho, Tita (Vitrine Filmes - Sessão Vitrine Petrobras)***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cena do documentário 'Martíri'

Em "Martírio" existem duas questões cruzadas. A primeira, temática, diz respeito ao martírio –a palavra é bem escolhida– dos índios Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Martírio que o filme de Vincent Carelli reconstitui escrupulosamente desde os tempos da Guerra do Paraguai.

Naquele momento, o território indígena é agregado ao Brasil. Suas terras são consideradas devolutas pelo Império.

O conflito está criado. Do plantio de erva mate, primeiro, até o atual agronegócio o conflito prossegue.

Prossegue, quer dizer: o genocídio dos índios prossegue de maneira mais ou menos sistemática, ora com mediação do Estado, ora marcado pela presença de jagunços ferozes.

Assista ao trailer.

EXTERMÍNIO

A temática está longe de ser irrelevante. Na verdade, ela é muito mais resolvida, simbolicamente, do que o conflito pela posse das terras aí envolvido.

Aqui nem é o caso de ouvir o outro lado –assim como não é necessário ouvir os nazistas para saber que existiu um Holocausto.

Em outras palavras: os índios brasileiros estão à beira do extermínio. Basta olhar seus rostos, suas roupas. Não é preciso nem escutar suas queixas (são inúmeras e, por sinal, semelhantes às de outras tribos igualmente quase extintas).

A segunda questão é de ordem mais cinematográfica. A quem se endereça esse filme? Se Carelli fala aos antropólogos do futuro, muito bem. Ali não está detalhado só este conflito. Também podemos ver preciosos documentos da época em que Rondon desenvolve o projeto de contatar os índios.

Parece insano (e é), mas a crença vendedora na época foi de que os índios precisavam deixar sua cultura e integrar-se à nossa. Carelli insere documentos pungentes sobre esse momento.

Agora a questão é: qual a crença vigente?

Como encaminhar uma questão que já foi encaminhada para um fim trágico: a expropriação das terras e o extermínio dos indígenas (ou de inúmeras tribos).

Como evitar o desenlace, em alguns casos, e como evitar que se repitam em outros? Qual o papel das imagens? É possível ainda sensibilizar o homem branco nesse sentido?

EQUÍVOCO DO HD

A história dilacerante, os depoimentos idem de índio após índio, as variantes horríveis da ações do civilizado, a TV, os deputados, etc... –tudo isso compõe ao longo de quase três horas um filme de denúncia.

Tempo demais para convencer alguém: assim como políticas equivocadas acabaram com os índios, o HD parece por vezes querer a destruir o cinema. Não se monta: acumulam-se imagens. Não se articulam ideias: empilham-se.

Esse é o problema de alguns filmes, como este, que, com toda honestidade, procuram salvar os índios, mas acabam se esquecendo de sua arte. Alguns cineastas (Andrea Tonacci à frente) mostram como uma coisa não pode existir sem a outra.

MARTÍRIO
QUANDO: estreia nesta quinta (13)
PRODUÇÃO: Brasil, 2016, 12 anos
DIREÇÃO: Vincent Carelli
Veja salas e horários de exibição.


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