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Novo curador, Gabriel Pérez-Barreiro quer virar Bienal do avesso

Adriano Vizoni/Folhapress
Gabriel Pérez-Barreiro, curador da próxima Bienal de São Paulo, anuncia que próxima edição do evento não terá tema
Gabriel Pérez-Barreiro, curador da Bienal de SP, anuncia que próxima edição do evento não terá tema

Ele é paz e amor. Gabriel Pérez-Barreiro, o espanhol radicado em Nova York escalado para comandar a próxima Bienal de São Paulo, quer desestruturar –em nome do afeto– toda a mostra paulistana, desfazendo o velho modelo de uma grande exposição coletiva de arte contemporânea.

Isso tudo, ele diz, seria uma tentativa de resgatar num público talvez cansado, entediado ou desinteressado um arrebatamento perdido, o tal afeto pela arte que já não aflora em visitas frenéticas a exposições que se tornaram circos, espetáculos vazios reféns da moda do momento.

Nada disso soa como novidade. Todo curador anunciado como diretor artístico desta que é a segunda mais tradicional exposição de arte do planeta chega com vontade –às vezes bastante justa– de chacoalhar suas bases.

Em meia hora de conversa, Pérez-Barreiro, que está em São Paulo numa primeira viagem de pesquisas, diz que sua Bienal –a 33ª edição da mostra, marcada para setembro do ano que vem– não terá um tema, vai descartar um projeto arquitetônico autoral e pode nem mesmo se enquadrar nos moldes de uma única exposição, podendo só articular várias individuais de um punhado de artistas.

Tudo soaria demolidor, não fosse sua fala pausada, com um leve sotaque, e a aparência dócil de um nerd das artes.

PESQUISA

"Estou querendo questionar todo esse sistema operacional", diz Pérez-Barreiro. "Não acredito na estrutura de um curador decidindo um tema e procurando artistas para depois ilustrar esse tema. Essa coisa de uma grande exposição coletiva me lembra um supermercado ou um zoológico."

Mas toda essa radicalidade talvez seja só Mário Pedrosa falando. Pérez-Barreiro termina agora uma extensa pesquisa sobre o maior nome da crítica de arte no país para uma mostra que começa neste mês no Reina Sofía, em Madri.

Um dos pilares do pensamento crítico sobre as vanguardas que floresceram no Brasil, Pedrosa foi um escritor e intelectual de interesses múltiplos, tendo defendido não só a abstração geométrica mais radical de neoconcretistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark, mas também tendo estudado a fundo a arte de internos de hospitais psiquiátricos e artistas ditos naïf, ou populares, como Djanira.

MODELO ANTIQUADO

O brasileiro, da mesma forma que o curador espanhol que agora remexe em seu legado, também chegou a dirigir a Bienal de São Paulo. Daí talvez o desejo de Pérez-Barreiro de não deixar pedra sobre pedra do antiquado modelo dessas exposições.

Também tem a ver com um respiro ou certa distância das mostras museológicas que está acostumado a organizar.

Mesmo que tenha comandado, há dez anos, uma edição bastante radical –e elogiada– da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Pérez-Barreiro está mais próximo do sistema tradicional das artes, dirigindo a coleção Patricia Phelps de Cisneros, em Nova York, um verdadeiro tesouro de arte latino-americana.

"Fazer uma Bienal hoje só se justifica pela flexibilidade que ela apresenta para que seja repensada", afirma. "Não é só quebrar esse modelo para parecer mais legal."

No fundo, Pérez-Barreiro se contrapõe aos malabarismos intelectuais dos chamados curadores-autores, nomes que hoje dominam o mundo das artes e que são em grande parte autodidatas, surgidos num momento antes que houvesse escolas de curadoria e manuais de como causar em galerias, bienais, trienais, feiras e salões.

"Estou interessado no afeto, que é algo que atravessa toda manifestação artística", afirma. "É não pensar a arte como uma batalha de um tipo de expressão contra outra, de pintura contra escultura, por exemplo, mesmo que esse modelo seja importante quando estamos perdendo o costume de olhar para as coisas de fora dos nossos círculos."

BRIGAS

Nesse ponto, Pérez-Barreiro parece estar comprando desde já duas brigas –uma com a direção da Fundação Bienal, que terá sua paciência posta à prova por um curador disposto a virar seu modelo operacional do avesso, e outra com a arquitetura do pavilhão de Oscar Niemeyer.

Isso porque seus três gigantescos andares, numa escala que o curador considera desumana, tendem a se impor como arenas que devem ser preenchidas, atulhadas de obras do térreo ao terceiro piso, criando aquele aspecto de supermercado que ele abomina.

"Quero que quem entre na Bienal não seja agredido pelo volume de informação", diz o curador. "É preservar o olhar numa escala humana, criar uma coreografia da atenção."


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