Folha de S. Paulo


Diante da crise, galerias da SP-Arte focam medalhões com vendas seguras

"Quem compra arte é um viciado", diz Luisa Strina. "Ele pode ficar um tempo sem comprar, mas depois volta." A mais poderosa galerista do país espera que esta semana, em que o mercado da arte se incendeia em torno de mais uma SP-Arte, seja um grande momento de recaída.

Ou um pequeno passo em direção à normalidade ainda longínqua. No ano passado, no auge da recessão econômica e no calor da votação que abriu o processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff, a feira no pavilhão da Bienal amargou uma retração de quase metade de suas vendas, além de sofrer com a polarização entre artistas "petralhas" e galeristas "coxinhas".

Mesmo imune a grande parte das crises do mundo real, o mercado da arte sentiu esses abalos. Galerias fecharam, patrocínios minguaram e tudo ficou mais rarefeito, das exposições blockbuster que se tornaram mais modestas aos vernissages e coquetéis, que trocaram champanhe por cerveja.

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Obra de Éder Oliveira, que está à venda nesta edição da feira SP-Arte, em São Paulo
Obra de Éder Oliveira, que está à venda nesta edição da feira SP-Arte, em São Paulo

Fernanda Feitosa, que fundou a maior feira de arte do continente há 12 anos, entende que "há uma crise instalada", mas parece se consolar com o fato de que não está fácil para ninguém. "Londres passa por momentos delicados com o 'brexit', e os Estados Unidos estão lidando com o efeito Trump", diz ela. "A crise está no mundo todo, mas o Brasil se estabilizou."

Ela quer dizer, no caso, que pelo menos a feira parou de encolher depois de algumas medidas, como a abertura a galerias de design, que vem ocorrendo há dois anos, e uma nova ala dedicada a galerias convidadas, entre elas a poderosíssima Marian Goodman, de Nova York, que volta à SP-Arte neste ano.

Mesmo do lado de fora do parque Ibirapuera, onde ocorre desde que surgiu, em 2005, a feira se esforça para impor sua marca, anunciando uma sutil mudança no nome.

De feira, passou agora para festival, englobando cerca de 180 eventos paralelos espalhados pela cidade, até mesmo aberturas de galerias que não passam pelo crivo -mesmo que um tanto mais frouxo- de entrada na feira.

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Obra de Falves Silva, que está à venda nesta edição da feira SP-Arte, em São Paulo
Obra de Falves Silva, que está à venda nesta edição da feira SP-Arte, em São Paulo

Também parece ser uma forma de justificar o uso de leis de incentivo para bancar o evento de natureza comercial -neste ano, a feira engordou os cofres até agora com R$ 750 mil dos R$ 4,5 milhões que pediu ao Ministério da Cultura.

Mas tudo, a não ser a vontade de parecer gigante e se projetar como um mastodonte do mercado, está mais comedido. Mesmo reunindo o maior volume de galerias de sua história -159 delas dividem o pavilhão-, a feira deve esse número a um empurrão, com a entrada de sete casas bancadas pelo governo japonês às vésperas da abertura de sua Japan House, em maio, na avenida Paulista.

Ou seja, riscos são menores quando a conta é dividida. Galerias também filtraram suas seleções em busca de vendas mais garantidas.

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Obra de Wolgang Tillmans, que está à venda nesta edição da feira SP-Arte, em São Paulo
Obra de Wolgang Tillmans, que está à venda nesta edição da feira SP-Arte, em São Paulo

"É tudo aquilo que é mais seguro", diz o galerista André Millan. "Estou fazendo um estande com obras que têm uma liquidez mais fácil, já que esse é um momento de reavaliação para as galerias, de se adequar às circunstâncias atuais."

Essa reavaliação, de fato, leva ao pavilhão poucos emergentes e mais pesos pesados.

É o caso de Miguel Rio Branco, na Millan, Leonilson, com uma tela raríssima, na Marilia Razuk, a francesa Louise Bourgeois, trazida pela nova-iorquina Cheim & Read, estreante na feira, o grego Jannis Kounellis, na Bergamin & Gomide, sem contar Volpi e outras joias modernas na ala de galerias do mercado secundário, que vende trabalhos que já passaram por alguma coleção.

Mas, na contramão das feiras de grande porte no mundo desenvolvido, valores das obras na SP-Arte não devem passar a marca de US$ 1 milhão. Um estudo recente da Art Basel, maior grupo de feiras do planeta, indica que o volume de transações de obras valendo entre US$ 1 milhão e US$ 10 milhões está em alta, enquanto há queda nas vendas de peças mais em conta.

O Brasil, que emprega, segundo o mesmo estudo, o dobro de pessoas no mercado da arte do que a média mundial, ainda se beneficia de um comércio interno robusto, mas galerias vêm centrando esforços no que sabem que vende.

Outro estudo, do Latitude, que representa as galerias de arte contemporânea do país, indica uma queda de 20% para 3% no investimento das casas na promoção de novos artistas, o que explica a briga delas por nomes quentes com um mercado já estabelecido.

FORTES E FRACOS
"Estamos vivendo um momento dramático no país, mas se você tem coisas boas da prateleira mais cara ou da mais barata, não tem por que não vender", diz Thiago Gomide, da Bergamin & Gomide. "Só a galeria que chegar com coisas fracas vai se dar mal."

Fracos, neste momento, podem ser artistas desconhecidos. Fortes são pintores com passagem por mostras institucionais e peças históricas, em especial da década de 1970, que desbancou os anos 1960 agora caros demais para o gosto de alguns colecionadores.

Das mais estabelecidas às mais ousadas, galerias vêm apostando em seleções híbridas, montando times que equilibram alguns nomes já consagrados e pintores mais promissores -em tempos de crise, a pintura acaba se destacando por ser mais fácil de vender e revender em futuras épocas de vacas raquíticas.

"Não é uma coincidência que a gente tenha muitos jovens pintores", diz Luciana Brito, da galeria que leva seu nome. "Na SP-Arte, a gente queria dar uma amostra do que fazemos na galeria, mas é uma feira, então precisa colocar coisas mais vendáveis. Temos que ir inventando."

SP-ARTE
QUANDO abre nesta quarta (5), para convidados; qui. (6), sex. (7) e sáb. (8), das 13h às 21h; dom. (9), das 11h às 19h
ONDE pavilhão da Bienal de São Paulo, pq. Ibirapuera, portão 3
QUANTO R$ 45


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