Folha de S. Paulo


Galeria londrina abre exposição sobre o ato da autoexpressão

Divulgação
Chuck Close Big Self-Portrait1967-1968 Acrylic on canvas107 ½ x 83 ½ inches © Chuck Close, courtesy Pace Gallery ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Chuck Close "Big Self-Portrait" (1967-1968)

Você achou que sua geração havia inventado o selfie? Pois é melhor tirar o celular da chuva: ele é quase tão velho quanto a humanidade e o que surgiu recentemente foi apenas um jeito mais fácil de fazê-lo, com a disseminação dos celulares e o nome: "selfie", eleito pelo dicionário americano "Webster" como "a palavra do ano de 2013".

Uma exposição inaugurada na galeria Saatchi (www.saatchigallery.com), em Londres, nesta sexta, pretende mostrar como é antiga e nobre a arte de mostrar a própria presença, sem minimizar o impacto que o smartphone teve na explosiva massificação dessa tradição.

"From Selfie to Self-Expression" é o título, que provocativamente inverte a lógica: se o autorretrato vem de sempre e agora ganhou novo nome, deveria ser o oposto. Mas o que atrai à exposição é o fascínio pelo selfie e, depois, o estudo de sua gênese.

Entre os clássicos, a mostra traz uma série de reproduções em alta resolução e telas grandes de algumas das obras autorreferentes mais importantes da história, com destaque para "As Meninas" (1656), de Diego Velázquez.

Estão também presentes autorretratos de Rembrandt, de Van Gogh, Renoir, Manet, Monet, Cézanne, Picasso, Frida Kahlo, Cindy Sherman, Chuck Close e vários outros.

A dimensão contemporânea ocupa três das quatro salas, com vários tipos de trabalhos feitos com celular, incluindo obras que dez jovens fotógrafos ingleses foram convidados a produzir com smartphones, além de uma miríade de publicações no Instagram e na imprensa.

EVOLUÇÃO

Há cerca de 30 mil anos, quando os primeiros humanos fizeram pinturas na caverna de Chauvet, na França, um deles gastou tempo e pigmentos para deixar na pedra a marca de sua mão.

A essa altura, não podemos saber exato o que ele quis dizer, mas é impossível não ver aquilo como uma mensagem para os observadores dos milênios seguintes: "Eu estive aqui".

Na história da produção estética humana, no entanto, a autoexpressão sistemática coincide com o momento em que a expressão estética e simbólica deixa de ter a função de culto religioso para se tornar objeto de exposição em si.

Foi nesse período que Diego Velázquez (1599-1660) decidiu se representar enquanto retratava o casal real espanhol Felipe 4º e Mariana.

Para tanto, pintou a visão que o rei tinha enquanto posava, exatamente o oposto do que o pintor observava e retratava. Gerou uma obra revolucionária, talvez o maior manifesto da metalinguagem artística. A pintura se chamou "As Meninas", em referência à filha do rei e suas acompanhantes, no centro do quadro porque assistiam de perto à sessão com outras figuras do palácio, mas poderia se chamar "Pinto, logo existo".

Entre os selfies contemporâneos, talvez a coisa mais impressionante seja a foto de Barbara Kinney (2016), que mostra a então candidata Hillary Clinton chegando para um evento de sua frustrada campanha presidencial, aclamada por centenas de fãs. Paradoxalmente, todos lhe dão as costas, de frente para o celular, tentando pegar a candidata em segundo plano.

A exposição traz uma foto do músico George Harrison, no auge da fama como guitarrista dos Beatles, em frente ao Taj Mahal (1966).

A imagem tem extrema contemporaneidade: além de ser um autorretrato de celebridade, tão mais comum hoje do que nos anos 1960, ele é redondo (feito com lente grande angular como as de smartphones), tem um colorido de aspecto atual (que não lembra a química dos filmes dos anos 60) e impreciso como as fotos de internet.

Acima de tudo, Harrison faz o gesto típico do selfie: vira as costas para o objeto mais importante, para que apareça em segundo plano, atrás de Narciso.


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