Folha de S. Paulo


Mostra revê obra de Emory Douglas, guru visual dos Panteras Negras

"Estamos armados e não temos medo." Isso que Emory Douglas, o homem por trás da identidade visual dos Panteras Negras, chamou de "advertência à América" serve de legenda à imagem de um negro segurando uma metralhadora, o dedo no gatilho.

Tudo nesse pôster, um dos muitos trabalhos do designer agora no Sesc Pinheiros, é preto e branco, a não ser um adesivo no braço do personagem que diz "autodefesa" e o cano amarelo neon de sua arma.

Essa linguagem incendiária, tanto na retórica quanto nas cores, era um eco da arte pop que vivia seu auge nos Estados Unidos na década de 1960, mesma época em que surgiu o grupo de resistência armada que lutava pelos direitos dos negros naquele país.

Divulgação
Cartaz criado pelo artista Emory Douglas para os militantes dos Panteras Negras
Cartaz criado pelo artista Emory Douglas para os militantes dos Panteras Negras

Douglas tinha acabado de estudar publicidade em San Francisco quando conheceu Bobby Seale, um dos líderes dos Panteras. Fez o cartaz de um evento em 1967 e então foi escalado para pensar toda a iconografia do grupo, do jornal que passou a circular no mesmo ano aos cartazes das campanhas pela libertação de seus militantes presos.

"Foi um momento muito radical na história dos Estados Unidos", diz Douglas. "E nossa missão com o jornal era contar a história dos negros a partir da perspectiva dos negros."

Nesse sentido, a segregação racial das ruas americanas ressurgia com ainda mais brutalidade nas páginas do "The Black Panther" -os negros com feições exageradas e caricaturais, de lábios grossíssimos e cabelos black power, e os brancos transformados em agentes opressores, em especial os policiais, sempre retratados como porcos.

Douglas também fazia questão de desenhar seus personagens usando o uniforme do partido -jaqueta de couro e boinas inspiradas em Che Guevara. Suas figuras, em chave maniqueísta, eram vistas ou como vítimas maltrapilhas ou heróis messiânicos, armados até os dentes.

"Quando alguém se filiava aos Panteras, primeiro lia livros e só depois pegava em armas. E nem todos andavam armados", diz Douglas. "A gente falava em fazer revolução, em mudar as coisas, mas a patrulha armada que fazíamos estava de acordo com a Constituição americana. As armas então viraram parte da estratégia do movimento."

Nessa mesma pegada feroz, a pantera mascote do grupo se transformou nas mãos de Douglas. Escolhido para fazer frente ao galo, símbolo de grupos de supremacistas brancos no sul dos Estados Unidos, o felino começou um tanto rechonchudo até se tornar cada vez mais musculoso e arisco no traço quase escultural do artista.

Ele conta, aliás, que criava seus desenhos da mesma forma que entalhava a madeira para fazer gravuras antes de entrar para o jornal dos Panteras, daí a rigidez dos traços que parecem saltar das páginas em altíssimo contraste.

Mesmo criada no calor do movimento sessentista, essa estética aguerrida não morreu. Os Panteras Negras são a maior fonte de inspiração do Black Lives Matter, ou vidas negras importam, movimento atual de luta pela igualdade racial nos Estados Unidos.

Beyoncé, que apoia o grupo, aliás, esteve à frente do momento mais midiático desse revival da iconografia dos Panteras Negras. No ano passado, ela levou bailarinas vestindo boinas pretas e faixas com balas de metralhadora ao show do intervalo do Super Bowl, um dos maiores eventos esportivos do mundo.

Na visão de Douglas, a experiência dos Panteras volta a ser relevante nesses momentos de intolerância. "A violência está em alta e isso fortalece os extremistas", diz o artista. "Era só uma ilusão acreditar que já estávamos num momento pós-racista do país."

EMORY DOUGLAS
*QUANDO*de ter. a sáb., 10h30 às 21h30; dom., até 18h30; até 4/6
ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO grátis


Endereço da página:

Links no texto: