Folha de S. Paulo


Pornô-cabeça de canadense debate a questão dos refugiados de guerra

Alexa Vachon/Divulgação
Cena do curta pornô 'Refugee's Welcome', do canadense Bruce LaBruce
Cena do curta pornô 'Refugee's Welcome', do canadense Bruce LaBruce

Um homem anônimo, refugiado de guerra, publicou uma confissão na internet: um conto erótico sobre sua relação com outro homem.

"Ele fez carinho na minha barba e beijou as minhas pálpebras como se eu fosse precioso", escreveu. "Enquanto transávamos, ele me dizia coisas na língua dele, o que me deixava tão duro."

O conto anônimo, de apenas três parágrafos, foi transformado na semana passada em um curta-metragem erótico dirigido pelo canadense Bruce LaBruce, conhecido por seu pornô alternativo.

O filme "Refugee's Welcome", LaBruce diz à Folha, é sua maneira de contribuir ao debate sobre um dos temas humanitários mais urgentes desta década: o fluxo de refugiados vindos de países como Síria e Afeganistão.

Sem aversão ou pena, o diretor quis reconhecer neles as paixões e as ânsias que são em geral ignoradas.

"A imprensa tende a apresentar os refugiados como um tipo de abstração, algo que acontece a pessoas sem nome e rosto", afirma. "Eu quis fazer um filme sobre como eles têm os mesmos impulsos românticos e sexuais que todo o resto do mundo."

PROPAGANDA

O protagonista de "Refugee's Welcome" é um poeta sírio refugiado em Berlim, interpretado pelo ator libanês estreante Jesse Charif.

Ele é agredido por skinheads enquanto caminha pela cidade e então resgatado por um desconhecido -também migrante, mas tcheco.

Eles passam boa parte dos 23 minutos de filme na cama. É, inevitavelmente, um pornô, ainda que desta vez tenha uma história mais elaborada do que a do encanador.

Mas a mensagem política está clara no curta, denunciando o que LaBruce chama de "xenofobia e avareza dos países europeus", contrastada pelos gestos de quem bem recebeu os refugiados.

A Alemanha, por exemplo, acolheu quase 900 mil pessoas durante 2015 com a política de portas abertas promovida pela chanceler Angela Merkel -países como a Hungria, por outro lado, fazem campanha por fechá-las.

"Sempre achei que o pornô fosse o meio perfeito para a expressão política", diz. "O filme erótico é todo sobre o prazer, então ele deixa o espectador em um estado bastante receptivo. É o veículo perfeito para a propaganda! Não entendo porque mais pessoas não fazem isso."

A era digital e a abundância do pornô, diz, democratizaram o gênero, mas fizeram dele menos narrativo e menos preocupado em mediar e interpretar a sexualidade.

"A maior parte dos filmes eróticos se concentra de maneira superficial no próprio ato sexual", afirma LaBruce.

PROXENETA

O diretor canadense se aliou, nesse projeto, a uma pessoa que pensa de modo semelhante: a produtora sueca Erika Lust, que hoje vive em Barcelona.

É dela o site XConfessions, onde o refugiado publicou seu conto anônimo, inspirando o filme de LaBruce. O projeto já transformou outras histórias em curtas eróticos.

"O cinema adulto era uma porcaria até pouco tempo atrás", afirma Pablo Dobner, produtor-executivo da empresa. "Agora há um olhar mais intelectual, em vez do proxeneta, com um contexto cultural e coisas a dizer."

Lust e Dobner acreditam que o gênero erótico seja um meio de comunicação como um jornal ou filme. Mas é necessário haver diretores "que não tenham a sensibilidade de um caminhoneiro".

"Nós queremos devolver a voz à sociedade sobre o que ela deseja", diz. "A sexualidade humana é muito mais ampla do que meia dúzia de homens se masturbando."


Endereço da página: