Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Monólogo revigora voz e ideias da escritora judia Alice B. Toklas

Lenise Pinheiro/Folhapress
Nicole Cordery na peça 'Alice, Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo'
Nicole Cordery na peça 'Alice, Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo'

O monólogo "Alice, Retrato de Mulher que Cozinha ao Fundo" atravessa uma espessa bruma literária para cogitar e celebrar, nas artes da cena, as ideias e a voz de uma orgulhosa coadjuvante ao lado de seu amor.

A escritora Alice Babette Toklas (1877-1967) convive por 39 anos com a também escritora Gertrude Stein.

Judias e lésbicas, as norte-americanas optam pelo autoexílio em Paris, na primeira metade do século 20, esquivando-se da hipocrisia e dos estilhaços de duas guerras mundiais.

São amigas de bambas como Matisse, Picasso, Braque, Pound, Apollinaire e Joyce, entre outros. Em "Meia-Noite em Paris" (2011), de Woody Allen, é a discreta Alice quem abre a porta de casa a Hemingway.

A Autobiografia de Alice B. Toklas
Gertrudes Stein
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Pois três criadoras brasileiras esquadrinham a bibliografia de ambas ou o que se escreveu a partir delas.

Desse material ambíguo (real e ficcional) sobressaem "A Autobiografia de Alice B. Toklas", por Gertrude (1874-1946), que alçou a intelectual a best-seller, e "O Livro de Cozinha de Alice B. Toklas", pela personagem-título, compilação de receitas e memórias.

Nesses livros as categorias autor, narrador e protagonista aparecem direta ou indiretamente fundidas tanto quanto simbióticas as companheiras.

A atriz Nicole Cordery, a diretora Malú Bazán e a dramaturga Marina Corazza revigoram a primeira pessoa em Alice. Após a morte daquela que foi referência para as vanguardas modernistas, essa mulher sublima o caminho do autoconhecimento, enfrenta angústias e sente na pele a pobreza.

Em termos formais o espetáculo mira o estilo da própria Gertrude ao jogar com sentidos, decomposições e simultaneidades entre figura e fundo.

Palavras grávidas de imagens preenchem a sala não convencional a partir de fragmentos narrativos. Cordery é incisiva ou sutil ao evoluir por entre cadeira, poltrona e penumbra. A partitura corporal cola ao vazio e à paisagem chuvosa da janela aberta naquela noite.

Na primeira temporada a criação oscila tempos e espaços dilatados que a tornam menos fruída do que merece. A segunda agora é ambientada numa sala de exposições, o que deve transformar os eixos relacionais.

ALICE, RETRATO DE MULHER QUE COZINHA AO FUNDO
QUANDO ter., qua. e qui., às 20h; até 30/3
ONDE Oficina Cultural Oswald de Andrade, r. Três Rios, 363, Bom Retiro, tel. (11) 3222-2662
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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