Folha de S. Paulo


Defesa de Lula quer apurar ajuda dada pela PF a filme sobre Lava Jato

Ique Esteves/Divulgação
Ary Fontoura (azul) vive Lula em filme 'Polícia Federal', sobre a Lava Jato
Ary Fontoura (azul) vive Lula em filme 'Polícia Federal', sobre a Lava Jato

Com orçamento de R$ 15 milhões, investidores secretos e colaboração de agentes da Lava Jato, o filme "Polícia Federal –A Lei É para Todos" tem objetivo claro: "Macular a imagem" de Lula –com ajuda da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba e da Polícia Federal.

Esse é o cerne da petição encaminhada na quinta (23) por advogados do ex-presidente à instância judiciária sob guarda do juiz Sergio Moro e à PF.

Prevista para agosto, a obra terminará com o dia em que delegados buscam Lula sob condução coercitiva. De roupa de ginástica, ele (interpretado por Ary Fontoura) ouve: "Isso se chama condução coercitiva". E rebate: "Isso se chama filha da putice".

O problema é que esses detalhes só vieram à tona por dupla ilegalidade, diz à reportagem Cristiano Zanin, um dos defensores do ex-presidente. Ele questiona por que a condução foi gravada, e o vídeo depois compartilhado com a equipe da produção.

Na petição, a defesa pede que o filme e a revista "Veja" (que teve acesso à gravação) se abstenham de usar as imagens e que sejam identificados os responsáveis pelo vazamento.

Citando reportagem da Folha, indaga também se "foram cedidos armas, uniformes, carros, helicópteros e aviões da PF para a gravação".

Essas informações foram relatadas pelo produtor Tomislav Blazic. Ele disse em fevereiro que atores chegaram a visitar a carceragem da PF em Curitiba. Agora ele nega o que antes definira como "acordo inédito" com as autoridades e critica a petição: "As pessoas precisam assistir ao filme antes de falar qualquer coisa".

VISITA À CARCERAGEM

Em novembro, atores e diretor do filme visitaram a carceragem da Superintendência da PF em Curitiba e observaram detentos como Eduardo Cunha e Marcelo Odebrecht, em tour conduzido por Newton Ishii, o "Japonês da Federal".

Bruce Gomlevsky, que interpreta personagem baseado no delegado Márcio Anselmo, disse que foram duas visitas, ambas a pedido da equipe do longa.

"É deprimente. Eles ficam acuados no canto da cela. Alguns estavam lendo, outros deitados na cama. Mas a gente não ficou olhando ostensivamente. É deprimente", diz o ator.

Ao autorizar a visita, a PF promoveu um "espetáculo de horror", nas palavras de Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da seção paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

"Aquelas pessoas estão presas, muitas sem julgamento, e são submetidas a atração pública como num zoológico", diz. "A Constituição proíbe essas violações ao direito de imagem."

O advogado afirma que a atitude da instituição pode configurar abuso de autoridade e embasar indenização por danos morais aos réus.

Pedro Ivo Velloso, advogado de Eduardo Cunha, desconhecia a visita. "Não acredito que uma violação tamanha à dignidade humana tenha sido autorizada por um órgão cuja finalidade é justamente proteger essas pessoas."

Procurada, a PF diz que por ora não vai se pronunciar.

Em despacho de sexta (24), Moro afirma que "não cabe a este juízo impor censura a veículos de comunicação ou mesmo à produção de algum filme".

Em seguida, diz que "a petição baseia-se em reportagem jornalística tão somente". Logo, não haveria indício de que "qualquer gravação efetuada durante a diligência de condução coercitiva tenha sido disponibilizado à produção do filme ou a qualquer veículo de imprensa". Se assim o fosse, conclui, "provavelmente tais imagens já teriam sido publicizadas".

O juiz está na ficção, vivido por Marcelo Serrado.

O FIM

"Se o filme é feito com material ilegal, é necessário saber quem está por trás dele", afirma o advogado Zanin. A petição que assina questiona o anonimato dos investidores num momento em que "pesquisas colocam [Lula] em destaque na disputa presidencial de 2018".

Outro incômodo: numa "operação de grandes proporções", que implicou empresários e políticos de vários partidos, por que eleger a condução de Lula como "gran finale"? Seria um "claro juizo de seletividade que visa macular sua imagem perante a sociedade".

No mês passado, o diretor de "Polícia Federal", Marcelo Antunez (dos filmes "Até que a Sorte nos Separe 3" e "Um Suburbano Sortudo"), afirmou que encerrar seu filme com o depoimento forçoso de Lula não foi gratuito. "Aquele momento é divisor de águas. Um marco para quem acha que a Lava Jato está exercendo papel benéfico. E aqueles que a veem como partidária também acham que esse momento é importante."

E a ideia é fazer um trilogia –ou seja, se Lula foi o foco agora, o público deve aguardar outros políticos em destaque nos próximos capítulos.


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