Folha de S. Paulo


Crítica

'Era o Hotel Cambridge' capta com êxito vidas em condições precárias

Divulgação
 Era o Hotel Cambridge [Brasil, 2016], de Eliane Caffé (Vitrine Filmes). Gênero: drama. Elenco: Carmen Silva, Isam Ahmad Issa, José Dumont ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cena do filme 'Era o Hotel Cambridge'

ERA O HOTEL CAMBRIDGE
ELENCO: Suely Franco e José Dumont
PRODUÇÃO: Brasil, 2016, 12 anos
DIREÇÃO: Eliane Caffé
Veja salas e horários de exibição.

Dar visibilidade a quem não possui. Esse é o menor dos desafios assumido por "Era o Hotel Cambridge", quarto longa de Eliane Caffé.

Outra grande dificuldade para o filme será encontrar plateia desarmada, que não o receba a pedradas sem nem sequer assisti-lo. Afinal, qual classe média no país hoje estaria disposta a se intimidar com problemas de pessoas que o uso de termos como "invasores" condena de antemão?

Ao contrário, "Era o Hotel Cambridge" aproxima-se do universo dos sem-teto com atenção e sem discurso pronto.

A primeira estratégia, eficaz, é inserir atores profissionais numa situação concreta de ocupação, criando efeito de proximidade por meio das faces reconhecíveis de Suely Franco e José Dumont.

Ambos circulam entre não atores, provocam instantes em que a dramaturgia alcança níveis surpreendentes de espontaneidade e, nem por isso, precisam roubar a cena.

Não se trata somente de provocar empatia ao mostrar atores em papeis de personagens marginalizados, mas de usar a presença deles para suspender a fronteira entre fato e ficção, enfatizar o caráter corriqueiro das cenas sem esconder que boa parte do efeito alcançado ali vem da presença da câmera e da equipe.

Outra estratégia provoca efeitos mais consistentes. Trata-se de incluir refugiados de origens bastante distintas no grupo de sem-teto que ocupa o espaço que um dia foi o Hotel Cambridge, no centro de SP.

Essa coabitação torna mais evidente que a exclusão não deriva exclusivamente da miséria, que não decorre de escolha ou, como se diz, é consequência da vagabundagem.

Da mesma forma que esses estrangeiros são refugiados do mundo, muitos por razões involuntárias, os brasileiros vivem o mesmo status em seu próprio país, como aponta o senhor palestino no diálogo mais incisivo do filme.

Mais eloquente ainda é escolher o espaço de um hotel abandonado para mostrar como vivem seus "hóspedes". Hotéis são lugares de passagem, não moradias, e conseguir captar essa provisoriedade é uma das qualidades do filme, a vida em condições precárias num espaço à deriva, um lugar que, como diz o título, "era".

A questão política e embates com a polícia e a Justiça são relevantes, claro, mas a diretora recusa a facilidade do papel de porta-voz de oprimidos.

Seu caminho é mais sinuoso. Equivale ao gesto que a líder ensina de descascar mexericas numa sala para perturbar a juíza. "Era o Hotel Cambridge" não enfatiza a palavra de ordem. Prefere cantarolar a velha marchinha: "Daqui não saio, daqui ninguém me tira". Assim, incomoda mais.


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