Folha de S. Paulo


'Com Trump, racismo leva ao extremo e gera ódio', afirma diretor libanês

Rabih Mroué cresceu em meio à guerra civil libanesa (1975-90); quando o conflito acabou e o teatro se restabeleceu, ele surgiu como um expoente de qualidade e inovação, não só no palco mas nas artes de seu país.

Estava na última Documenta de Kassel, com uma das três performances que traz para a MITsp –"Revolução em Pixels", sobre o início da guerra na Síria, estreia na quarta (15) no Sesc Vila Mariana. "Tão Pouco Tempo", com sua mulher, Lina Majdalanie, sobre um mártir que retorna, estreia nesta terça (14).

Em entrevista, ele fala das guerras que viu e de como o ódio se dissemina até jogar todos contra todos. "É o problema agora com Trump. É como pôr gasolina no fogo."

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Folha - A junção de temas pessoais e políticos vem desde o começo do seu trabalho?

Rabih Mroué - Veio pouco a pouco. Usei para colocar a questão de como a história é escrita, sobretudo a libanesa, que é matéria para brigas. Uso fatos biográficos não para contar minha vida, mas para brincar, misturar fato e ficção, achar maneiras alternativas de colocar aquela questão.

Você viveu a guerra civil?

Sim, toda a minha vida morei no Líbano. Só fui deixar Beirute há três anos e agora moro em Berlim. Passei minha infância e adolescência na guerra civil. Para mim, era a vida. Chocante foi quando acabou. Naquele momento, descobrimos que tínhamos que pensar o futuro. Só pensávamos no tempo presente.

Também na Alemanha há um ódio crescente contra imigrantes. Como você vive isso?

A Alemanha é um dos melhores países, onde os refugiados são bem-vindos. Ainda assim, o racismo está no mundo todo. Você pode vê-lo forte em algumas cidades e menos em outras. É claro que agora, com o novo presidente americano, isso é levado ao extremo, contra os "outsiders". Leva os binários ao extremo, gerando ódio. Não fui forçado a deixar meu país. Eu e minha mulher amamos Berlim. É cidade aberta. Abraça as nacionalidades, como Nova York, talvez São Paulo. [risos]

São Paulo tem um crescente grupo muçulmano, xiitas e sunitas, com muitos sírios.

Em São Paulo? Não tinha ideia. Sei que na história da nossa região, no Império Otomano, muitos árabes imigraram para o Brasil. Sei que se integraram e se tornaram parte essencial da sociedade.

Seus trabalhos podem ajudar a esclarecê-los sobre a situação hoje no Oriente Médio?

Em cada país o discurso político, social, religioso é diferente, quase de uma cidade para outra. Após alguns anos de guerra civil no Líbano, todos estavam lutando contra todos. A tensão entre sunitas e xiitas, que existe há muitos, muitos anos, ainda é uma ferramenta nas mãos daqueles que estão no poder para manipular as pessoas umas contra as outras.

Houve momentos, por anos, em que sunitas e xiitas e muçulmanos e cristãos e judeus, viveram juntos, em Estados pacíficos. Na Síria, no Líbano, em toda parte funcionou. Mas infelizmente você pode mobilizar as pessoas por meio do argumento religioso. Esse é o problema agora com Trump nos EUA. É como colocar gasolina no fogo. É fazer mais e mais divisões, com esse discurso patriótico.

Arte e política, juntas, podem resultar em obras convencionais, mas as suas são inovadoras. O que levou a isso?

Cresci numa família laica. Acredito em cidadãos e que todos têm o direito de acreditar no que quiserem, mas que isso deve ser separado da política. E nós, todos os cidadãos, devemos nos submeter às leis. Podemos mudar democraticamente as leis, porque não foram feitas por forças sobrenaturais, Deus. É nisso que eu fui formado.

As obras que você levou à última Documenta estavam mais para teatro ou artes plásticas?

Eram mais próximas das artes. Fiz uma exposição e também uma das minhas palestras não acadêmicas ou, se você preferir, uma palestra-performance, "Revolução em Pixels". É sobre o primeiro ano da revolução na Síria, sobre o uso de celulares como a maior arma na mão dos manifestantes. Até aquele momento, era uma revolução pacífica. As pessoas não tinham armas, só celulares e seus corpos para ir às ruas, para cantar e protestar pacificamente. O celular foi a grande ameaça ao regime, que começou a atirar e matar todos que tentassem filmar.

A Síria se aproximou do Líbano, todos contra todos?

Sim e não. A guerra civil na Síria é muito mais violenta. No Líbano, a partir do segundo ano, já tínhamos as demarcações. Na Síria, ainda estão lutando para ver quem fica com esta ou aquela parte. E eu tenho que dizer que o regime sírio e os russos e os iranianos são muito violentos ao matar em nome do combate ao terrorismo islâmico.

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raio-X

VIDA E FORMAÇÃO

Nasceu em 21 de fevereiro de 1967, em Beirute, e graduou-se em teatro pela Universidade Libanesa. Mora há três anos em Berlim, na Alemanha, com Lina Majdalanie, sua mulher e colaboradora. Para o jornal "The New York Times", são o Wooster Group libanês –a companhia nova-iorquina é conhecida por seus trabalhos políticos que incorporam vídeo

ESPETÁCULOS

Estreou a primeira peça em 1990, "L'Abat-Jour". Em 2007, "Como Nancy Queria que Tudo Fosse uma Piada de 1º de Abril" abordou a guerra civil do Líbano e chegou a ser censurada no país. "Revolução em Pixels" estreou em 2011


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