Folha de S. Paulo


Tensão racial aumenta na arte criada nos Estados Unidos sob Trump

Não é só a crise nas relações dos Estados Unidos com o resto do mundo que transparece na onda de arte anti-Trump que varre Nova York.

Tensões raciais, acirradas nos últimos anos do governo de Barack Obama com repetidos casos de violência policial e elevadas ao grau mais estridente por militantes da chamada supremacia branca que ganham os holofotes também vêm turbinando a cena atual.

Obras de artistas como Kehinde Wiley, famoso por seus retratos de personagens negros em figurinos e cenários extravagantes, que remetem a pinturas clássicas da história da arte, agora ganham uma leitura mais urgente -na Armory Show, a galeria Daniel Templon, de Paris, mostrou três telas enormes do artista.

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Pintura do artista Kehinde Wiley mostrada na Armory Show, em Nova York
Pintura do artista Kehinde Wiley mostrada na Armory Show, em Nova York

Outros trabalhos que tenderiam a ser vistos quase como ingênuos no passado também mudam de figura nesse momento nervoso, como as colagens de Rico Gatson, na galeria Ronald Feldman Fine Arts, de Nova York.
O artista celebra ali personagens centrais da experiência negra americana. Figuras como Obama, Angela Davis e Martin Luther King aparecem coroados por raios coloridos.

Um detalhe, contudo, torna sua série mais controversa. Noutra colagem, Gatson retrata o assassino de King, James Earl Ray, expondo os dois lados de uma ferida histórica que ainda não cicatrizou.

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Escultura em neon do artista Alfredo Jaar, mostrada na Armory Show, em Nova York
Escultura em neon do artista Alfredo Jaar, mostrada na Armory Show, em Nova York

Mesmo estrangeiros e não negros, como o chileno Alfredo Jaar, esbarram nessa questão. Na galeria Lelong, o artista mostrou um neon com uma frase do escritor japonês Kenzaburo Oe, pedindo que "nos ensinem a superar nossa loucura", além de um enorme cartaz em que repete à exaustão o nome da música "Mississippi Goddam".

Imortalizada na voz de Nina Simone, a canção virou um hino da luta contra a segregação racial no sul do país. Na feira em Nova York, cópias do pôster ficavam numa pilha à disposição do público -o cartaz e tortillas estampadas "fuck Trump" viraram itens cobiçados nas mãos da turma "artsy" que circulava ali.

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Fotografia da artista Mickalene Thomas, mostrada na Armory Show, em Nova York
Fotografia da artista Mickalene Thomas, mostrada na Armory Show, em Nova York

Outros artistas incensados pelo mercado e que tocam no debate sobre racismo, como a sul-africana Zanele Muholi e os americanos Mickalene Thomas e Hank Willis Thomas, este último também escalado para a Bienal de São Paulo do ano passado, apareceram na seleção de galerias como a Yancey Richardson, de Nova York, e da Ben Brown Fine Arts, de Londres.

O jornalista viajou a convite da Armory Show.


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