Folha de S. Paulo


Possível novo presidente da Ancine, Sérgio Sá Leitão divide opiniões

Sérgio Sá Leitão, 49, é o melhor ou o pior dos mundos. Depende a quem você pergunta.

Ele foi nomeado para ser um dos quatro diretores da Agência Nacional do Cinema. Seu nome ainda está na Casa Civil da Presidência e de lá será enviado ao Senado, que o sabatinará para o cargo. A posição o habilita a substituir o atual presidente, Manoel Rangel, que sai em maio.

Cria de Gilberto Gil, então ministro da Cultura de Lula, Leitão passou por várias instâncias de governo, do BNDES à RioFilme. Criada em 2001, a agência cuida de fomento, regularização e fiscalização do mercado audiovisual do país.

Os planos de Leitão para a Ancine têm palavras-chave como desburocratização e mais recursos para o meio.

Parte do meio audiovisual, desconfiada, acusa-o de, à frente da RioFilme, ter beneficiado grandes produtoras.

Para outros, ele teve o mérito de resgatar o cinema carioca do pó, ao investir em filmes campeões de bilheteria.

Abaixo, leia mais sobre os dois lados dessa força.

Ricardo Borges/Folhapress
Ilustrada 20.fev
Sérgio Sá Leitão divide opiniões no cinema brasileiro

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O LADO LUMINOSO
Transformou a RioFilme numa nova potência

Sérgio Sá Leitão é o Yoda do cinema brasileiro.

Ex-secretário carioca de Cultura, assumiu a RioFilme (2009-15) e fez a empresa municipal ressurgir como uma fênix: R$ 185,5 milhões investidos em 484 projetos, com saldo de 32 mil empregos, movimentando R$ 2 bilhões, diz. "Mais do que o realizado nos 16 anos anteriores."

Reuniu-se com Woody Allen, interessado em filmar na cidade. Em Cannes, o americano lhe confessou ser fã de Machado de Assis. (O projeto emperrou porque Allen não sabia o que filmar no Rio.)

Só em 2013, a agência injetou recursos em nove dos dez longas nacionais de maior bilheteria –entre eles "Minha Mãe É uma Peça", o nº 1.

Leitão chegou ao setor público pelas mãos de Gilberto Gil, ministro da Cultura no governo Lula. De 2003 a 2006, foi chefe de gabinete e secretário de políticas culturais.

Já entrevistara Gil nos tempos de repórter no "Jornal do Brasil". Mas foi o lado verde da força que os aproximou –integrou o conselho de administração da OndAzul, movimento idealizado pelo baiano.

"Sempre fui militante ambientalista", afirma no restaurante de uma livraria no Leblon que destaca no menu: "Nossas tábuas são de madeira de florestas renováveis".

Foi como jornalista diplomado pela UFRJ que esbarrou também com Roberto Freire, presidente do PPS e ministro da Cultura na gestão Michel Temer –na campanha presidencial de 1989, entrevistou o candidato Freire para "O Pasquim", conta.

A aliança com o PMDB tem lastro. Leitão é próximo de nomes como o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes. Já nas redes sociais mostra apreço pelo tucano João Doria.

Compartilhou uma pesquisa Datafolha que detectou a alta popularidade do prefeito de São Paulo. Um amigo aponta que só 13%, o número do PT, o reprovam. Leitão responde com três carinhas chorando de rir. Na entrevista, veste Ralph Lauren, uma das grifes favoritas de Doria.

Quando o país rachou entre os que defendiam o impeachment de Dilma Rousseff (PT) e os que consideravam isso um golpe, ele escolheu seu lado: fora, Dilma. "Parecia o mais adequado naquele momento histórico."

Critica o rótulo de "coxinha" que ganhou de parte do audiovisual. "Há uma tendência de estigmatização dos que pensam diferente."

Como repórter da Folha, cobriu outra destituição. Em 2002, lançou o livro "Fora Collor! A Incrível Aventura da Geração que Derrubou um Presidente" e disse ao jornal: "Foi a última aventura coletiva da sociedade brasileira".

Após 12 anos de vida pública, trabalhou para o AfroReggae ("fiz o 'business plan' da produtora deles") e o Cine Odeon. Pela sua produtora, a Escarlate, toca projetos potencialmente hostis ao PT: "Lula - Nunca Antes", documentário para pôr sob escrutínio o mito do ex-presidente, e um thriller sobre o assassinato de Celso Daniel, prefeito de Santo André, em 2002.

Ele diz que se desvinculará de projetos privados para evitar conflitos de interesse.

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O LADO ESCURO
Privilegiou as grandes produtoras de cinema

Sérgio Sá Leitão é o Darth Vader do cinema brasileiro.

Não surpreende que seja fã da saga "Star Wars" (é do Conselho Jedi do Rio) e povoe seu perfil no Facebook com referências ao maior blockbuster da história do audiovisual.

Parte do setor carioca o vê como inimigo do cinema autoral e déspota disposto a "enquadrar" desafetos –termo que Leitão usou em 2014, ao alertar aliados sobre a necessidade de "isolar" os "black blocs" do cinema nacional.

A troca de e-mails, revelada no jornal "O Globo", incluía poderosos da indústria, como o distribuidor Bruno Wainer, a produtora Mariza Leão e o diretor Cacá Diegues, potenciais beneficiados pela RioFilme sob a égide de Leitão.

O contexto: naquele ano, o movimento Mais Cinema, Menos Cenário causou furdunço no Festival do Rio. Com o lema em cartazes, gente do meio acusava a RioFilme de privilegiar grandes produtoras e ser pouco transparente.

Segundo cálculos não exaustivos da "era Leitão", 15 empresas dividiram R$ 78 milhões, e 190 ficaram com R$ 58,5 milhões, estima Douglas Duarte ("Personal Che"), do Mais Cinema, Menos Cenário.

Em outro e-mail, ao qual a Folha teve acesso, Leitão contrapõe as partes "adulta" e "infantil" do setor. Repele o motim público: "Todos na prefeitura estão putos. Todos na RioFilme estão putos".

Diz que previa para 2015 um edital de R$ 15 milhões. "E eu, sinceramente, não sinto vontade de lutar por mais. A visão que impera é: dê um pouquinho para um monte de gente que fica tudo bem."

Leitão frisa que escreveu do e-mail privado, e não do institucional. "E em nenhum momento eu disse que usaria o cargo para fazer algo contra o movimento."

Na época, diz, viu o audiovisual sob ataque e deu "sugestões" de como seus interlocutores deveriam reagir. "Eles podiam acatar ou não."

"Sob pressão injusta, você desabafa. Não era uma declaração oficial", defende Cacá Diegues, que define a polarização política que respingou no cinema, "coxinhas vs. petralhas", como "burrice". Ao contrário de Leitão, ele se opôs ao impeachment de Dilma. "Continuamos amigos."

Menos fraternais são os laços com a ABD (Associação Brasileira de Documentaristas) e o movimento Reage, Artista!, que enviaram carta ao Senado contra sua indicação para a Ancine. O texto cita "personalismo, concentração de poder e perseguição aos realizadores cariocas".

"Quem me conhece sabe que esses adjetivos não batem comigo", reage Leitão.

"Com a promessa de fomentar obras de apelo comercial, mas que em sua maioria eram comédias ligeiras com atores televisivos, a administração Sá Leitão estabeleceu um balcão para poucos e sem critério algum", diz um dos signatários, Frederico Neto, do Conselho de Cultura do Rio.

Alguns cineastas procurados pela Folha preferiram se abster de opinar. "Não é meio estranho que as pessoas cheguem a ter medo de falar mal de um gestor público?", provoca Douglas Duarte.


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