Folha de S. Paulo


Crítica

Sem tentar esgotar tema, livro aborda o essencial do samba

Acervo Iconographia/Divulgção
Festa da Penha, encontro de bambas, em 1915, imagem do primeiro volume de 'Uma História do Samba', de Lira Neto
Festa da Penha, encontro de bambas, em 1915, imagem do primeiro volume de 'Uma História do Samba', de Lira Neto

Cearense radicado em São Paulo, Lira Neto escreveu o melhor livro já lançado sobre a formação do samba no Rio de Janeiro. Sua narrativa vai de 1892 a 1933 –com exceção do prólogo, situado em 1940.

"Uma História do Samba, Volume 1 - As Origens" (estão previstos outros dois) não pretende esgotar nenhum assunto, mas dá conta de tudo o que é importante em não mais do que 260 páginas.

As páginas restantes são ocupadas, na sua maior parte, por notas em que ele aponta de onde retirou informação por informação, desprezando as licenças poéticas que fazem a fama de alguns biógrafos.

A obra de Lira Neto não detalha a vida da população negra da cidade na virada do século 19 para o 20 como faz "Tia Ciata e a Pequena África do Rio de Janeiro", de Roberto Moura.

Não tem a riqueza de relatos de "Samba de Sambar do Estácio", de autoria de Humberto Franceschi.

Não esmiúça a vida de um personagem e de tudo que o cerca como acontece em "Noel Rosa - Uma Biografia", de João Máximo e Carlos Didier.

E não aprofunda questões musicais da forma que consegue "Feitiço Decente", de Carlos Sandroni.

No entanto, realiza uma súmula rigorosa dessas obras fundamentais e de mais 150 títulos que constam de sua bibliografia.

Tudo com um texto envolvente, de força literária, jamais atravancado pelo pano de fundo socioeconômico.

Como excelente repórter e pesquisador que é (biógrafo de Getúlio Vargas, Padre Cícero, Maysa), Lira foi aos jornais e documentos da época.

Assim, foi capaz de trazer novidades à inesgotável polêmica em torno de "Pelo Telefone", primeira música registrada como samba a fazer sucesso, em 1917.

Levantou o revelador processo, iniciado em 1928, que custou a Ismael Silva uma de suas condenações.

Traçou perfis minuciosos de Hilário Jovino Ferreira, Sinhô e Cartola, entre outros protagonistas, além de pincelar coadjuvantes como Avelino de Alcântara e José Paula Pires, o Lord Diplomata.

Também reforçou o papel do pai de santo Zé Espinguela, que foi o organizador dos primeiros concursos de escolas de samba.

E tirou a limpo histórias como a do uso da palavra "samba" –ele a localizou num jornal de 1830, oito anos antes do que se pensava.

Ou sobre a invenção de instrumentos como o surdo e a cuíca, que não são fruto de uma ou outra mente inspirada –ao contrário do que todos repetimos há décadas–, mas resultado de um processo histórico.

Lira Neto não precisava ter trocado informação por opinião em alguns trechos, caso da sua defesa indignada dos Oito Batutas, o grupo de Pixinguinha que foi alvo do racismo da elite nacional no início da década de 1920.

Mas isso não mancha em uma vírgula seu trabalho de invejável fôlego.

Pode não ser um livro ideal para iniciantes, pois quem conhece um pouco dos fatos do samba aproveitará bem mais. Porém tampouco é para UMA HISTÓRIA DO SAMBA, VOLUME 1 - AS ORIGENS

"Uma História do Samba" desafia os lugares-comuns e sacode a poeira que por vezes reveste a criação mais importante da vida cultural brasileira. É uma obra que altera a nossa maneira de enxergar o passado e o futuro do samba.

*

UMA HISTÓRIA DO SAMBA, VOLUME 1 - AS ORIGENS
QUANTO R$ 64,90 (368 págs.)
AUTOR Lira Neto
EDITORA Companhia das Letras


Endereço da página: