Folha de S. Paulo


Crítica

Livro adianta traços da obra futura de Bolaño

Lese Pierre/Folhapress
Roberto Bolano - Ilustração
Roberto Bolano - Ilustração

O ESPÍRITO DA FICÇÃO CIENTÍFICA
QUANTO R$ 39,90 (184 págs.)
AUTOR Roberto Bolaño
TRADUÇÃO Eduardo Brandão
EDITORA Companhia das Letras

No prefácio original de "O Espírito da Ficção Científica", não incluído na edição brasileira, Cristopher Domínguez Michael procura minar a desconfiança dos leitores em relação ao baú sem fundo de obras póstumas de Roberto Bolaño (1953-2003).

"No caso de Bolaño", defende, "atribuir sua sorte ao marketing é não tê-lo lido".

O livro, concluído em 1984, fornece diversos sinais que levam a pensar que a forma literária do autor chileno é tudo, menos comercial.

Fragmentário, interrompido e justaposto (nem sempre com habilidade), o romance pulsa através da dicção do poeta que Bolaño sempre afirmou ser, em vez de ser movido pelo ritmo incessante do narrador de obras posteriores como "Estrela Distante" (1996) e "2666" (2004).

Em Bolaño a sumarização típica da trama, uma técnica narrativa, cede lugar ao arrolamento surrealista, em listagens às vezes aleatórias.

Exemplo: "Finalmente, no terceiro andar, ao qual se sobe pelo quarto de ferramentas, encontramos um equipamento de radioamador e uma profusão de mapas esparramados pelo chão, uma pequena emissora que transmite em FM, um equipamento de gravação semiprofissional, uma série de amplificadores japoneses etc."

O Espírito Da Ficção Científica
Roberto Bolaño
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Outro aspecto de sua obra é a cosmogonia expansiva, como se impulsionada por um bigue-bangue.

É possível reconhecer em "O Espírito da Ficção Científica" o gérmen de "Os Detetives Selvagens" (1998). Estão ali a dupla de poetas noviços, "alter egos" do autor, agora nomeados Remo Morán (também protagonista de "A Pista de Gelo", de 1993) e Jan Schrella, que escreve cartas a escritores de ficção científica na tentativa de convencê-los da possibilidade de uma obra desse gênero produzida no subdesenvolvimento.

Contudo, se neste póstumo já se encontram os temas prediletos de Bolaño e a estrutura de "Bildungsroman" quebrado que conforma toda sua obra, faltam os níveis de empatia que posteriormente despertaria em seus leitores.

Falta-lhe ainda linguagem, o que é o mesmo que dizer que lhe falta literatura, ao menos aquela tão pungente de sua obra futura.


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