Folha de S. Paulo


Análise

Adele venceu porque tem maior crédito com a indústria musical

Lucy Nicholson/Reuters
Adele waves to singer Beyonce who is in the audience as she and co-song writer Greg Kurstin (not pictured) accept the Grammy for Song of the Year for
Cantora Adele acena para o público durante a cerimônia do Grammy

A lógica do Grammy é entediante. Vendeu muitos discos? Então vai ganhar muitos prêmios. Tudo bem, é uma festa da indústria, mas precisava deixar isso tão evidente?

O duelo de divas entre Adele e Beyoncé tentou trazer algum charme, mas foi na verdade uma disputa entre duas das maiores vendedoras de discos do planeta. O placar da noite foi cinco a dois para Adele.

Nas apresentações durante a festa, Adele fez o trivial, cantando sem nenhuma ajuda cênica a premiada "Hello" e uma versão melancólica e pavorosa de "Fast Love", numa homenagem a George Michael. A grávida Beyoncé entupiu o palco de bailarinos, projeções de filmes e efeitos de luz, com roupa e "coroa" que a deixaram como uma Iemanjá barriguda.

Adele ganhou mais porque parece ter ainda o melhor crédito com a indústria fonográfica. As mais de 100 milhões de cópias que vendeu com apenas três álbuns na carreira tiveram papel fundamental na recuperação do mercado mundial de música, em crise no início deste década.

Numa noite de cantoras, Rihanna não teve chance, não vencendo em nenhuma das oito categorias a que estava indicada. Katy Perry, fora das indicações, lançou single novo com um palco que não parava de se mexer e teve algum impacto.

Nos tributos, foi constrangedor o idealizado para os Bee Gees, com artistas de segunda categoria, como Demi Lovato e Little Big Town. Bom mesmo foi ver Bruno Mars fantasiado de Prince para uma ótima e respeitosa versão de "Let's Go Crazy".

Se alguém duvida que o rock morreu mesmo, o Grammy deu indicações claras. David Bowie ganhou o prêmio de melhor performance de rock, enquanto o troféu de melhor álbum do gênero foi parar com o Cage The Elephant, bandinha capenga que vende alguma coisa entre a juventude americana bebedora de cerveja.

Para completar a decadência roqueira, o microfone de James Hetfield ficou desligado durante metade da apresentação do Metallica com Lady Gaga. E a iniciativa não precisava de ajuda para ser um desastre. Foi uma pantomima grosseira de clichês do que se considera "heavy metal". Um velório para o rock.

"Blackstar", o estranhíssimo mas canonizado álbum derradeiro de Bowie, levou cinco prêmios, entre eles o de melhor álbum alternativo, categorização inexplicável, e até o Grammy de Melhor Embalagem do Ano. Sério, tem isso na premiação.

Nas categorias de rap e dance, também os prêmios veneraram os maior vendedores. Drake e Chance the Rapper dividiram no rap, e a gravação dance do ano foi para o Chainsmokers, meninos comportados que são consumidos por meninas comportadas.


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