Folha de S. Paulo


Continuação de 'Trainspotting' é mais escrachada que a versão original

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Da esq. para a dir., os atores Ewen Bremner, Ewan McGregor, Jonny Lee Miller e Robert Carlyle em
Da esq. para a dir., os atores Ewen Bremner, Ewan McGregor, Jonny Lee Miller e Robert Carlyle, mesmo elenco de 1996, em "T2 Trainspotting", exibido no Festival de Berlim

"Escolha viver. Escolha Facebook, Twitter, Instagram e espere que alguém, em algum lugar, se importe." Começa assim a versão atualizada daquele que é o monólogo mais famoso do cinema dos anos 1990, proferido por Ewan McGregor em "Trainspotting", de Danny Boyle.

Lançado em 1996, o filme fez as carreiras de McGregor e Boyle deslancharem, deu uma guinada na produção cinematográfica do Reino Unido e foi a tradução visual de um movimento que, junto da música de Oasis, Blur e Radiohead, fez da Grã-Bretanha o lugar mais "cool" do planeta na época.

Vinte e um anos depois, Boyle e os quatro "junkies" do filme original retornaram àquele mesmo universo em "T2 Trainspotting", continuação exibida na tarde desta sexta (10), no Festival de Berlim.

"Escolha rolos antigos, desejando ter feito tudo diferente. E escolha ver a história se repetir", prossegue o novo monólogo. A sequência repete o mesmo elenco (além de McGregor, há Robert Carlyle, Ewen Bremner e Jonny Lee Miller), mas tem um tom mais assumidamente escrachado do que o original.

Razoavelmente bem-estabelecido, Renton (McGregor), agora quarentão, retorna a Edimburgo e topa com seus antigos comparsas: Sick Boy (Lee Miller) leva a vida extorquindo seus clientes, o letárgico Spud (Bremner) é um morto-vivo resultante de anos de consumo de heroína, e Franco (Carlyle) acabou de sair da prisão.

"Não é uma sequência. É mais um filme post- mortem daquele universo", definiu Lee Miller na coletiva de imprensa que se seguiu à sessão para a imprensa. Boyle contou que demorou a filmar porque estava à espera de um roteiro minimamente razoável para convencer os atores a reprisar os papéis.

Para encontrar o tom, o diretor se trancou com o produtor Andrew MacDonald, o roteirista Lucas Hodges e o escritor Irvine Welsh, autor do livro que originou o filme, numa casa em Edimburgo. O grupo saiu com um texto mordaz sobre a masculinidade na meia-idade.

"Você é um viciado, então seja um viciado. Só seja um viciado em alguma outra coisa", prossegue o novo monólogo. Em "T2", Renton e Spud conversam sobre o vício em heroína. O primeiro dá conselhos: "você tem de canalizar o vício em outra coisa.". Em seu próprio caso, diz Renton, o vício foi fugir.

Boyle não fugiu da cobrança de repetir uma trilha sonora que marcasse, como a do primeiro filme. Recrutou novos nomes da cena britânica - Young Fathers, Fath White Family -, convocou o Prodigy a regravar "Lust for Life", de Iggy Pop, tocada em "Trainspotting" e chamou Underworld a fazer uma versão mais lenta de "Born Slippy", tema techno do longa original.

O novo filme não se resume a Edimburgo do original. No começo, Renton vive em Amsterdam. E o longa passa também pela Romênia -um tour europeu filmado no ano em que o Reino Unido disse não à Europa.

"Se refizessem o referendo do Brexit, tenho certeza que o resultado seria diferente", disse Boyle. "Meus filhos cresceram como europeus e eles é que vão sentir mais o impacto."

Em Berlim, a crítica a "T2" está dividida: enquanto boa parte dos textos têm frisado certa implicância com algumas das escolhas estéticas de Boyle, tidas como afetadas, os britânicos, particularmente, têm saudado a nostalgia.

"Escolha uma sequência que não desaponta", define resenha do jornal inglês "The Guardian", que em seu site reúne mais de 20 reportagens sobre a continuação.

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Berlim


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