Folha de S. Paulo


Safra brasileira em Berlim viaja no tempo e no espaço

Divulgação
O ator Julio Machado, que protagoniza o filme 'Joaquim', de Marcelo Gomes
O ator Julio Machado, que protagoniza o filme 'Joaquim', de Marcelo Gomes

É Tiradentes, o mártir da Inconfidência, quem lidera a considerável invasão brasileira nesta edição do Festival de Berlim. O personagem histórico é protagonista de "Joaquim", longa dirigido pelo pernambucano Marcelo Gomes que está na competição principal do evento.

Além da cinebiografia, outros 11 títulos brasileiros compõem a programação, mas espalhados em mostras paralelas à da disputa pelo Urso de Ouro. Ao todo, são nove longas e três curtas-metragens.

Em quantidade, trata-se da melhor edição para o Brasil nos últimos 30 anos. Em 2015 também havia 12 títulos nacionais, mas 4 em uma mostra paralela dedicada a produções indígenas do continente, o que deu um "empurrãozinho temático" ao país.

A profusão tem a ver com o investimento em coproduções internacionais, situação de seis dos nove longas. "Os filmes já nascem conectados com possibilidades lá fora", diz Eduardo Valente, ex-assessor internacional da Ancine e hoje delegado do cinema brasileiro na Berlinale.

Valente também destaca a existência de editais públicos voltados à experimentação, o que casa com os gostos da mostra alemã. "Berlim é muito conectado politicamente com causas latentes e produções de países periféricos."

Festival Berlim

OLHAR HISTÓRICO

Da lavra brasileira, a Alemanha vai colher um volume de obras com olhar histórico –caso de "Vazante", de Daniela Thomas, ambientado na mesma Minas escravocrata de "Joaquim"– ou que escarafuncham rincões até hoje isolados, como "Rifle", de Davi Pretto, e "Mulher do Pai", de Cristiane Oliveira, rodados no Rio Grande do Sul.

"Estamos em um momento de investigar as entranhas do país, que país somos. Sair dos centros urbanos já muito retratados pode ser um caminho simbólico para isso", diz o carioca Felipe Bragança, diretor de "Não Devore Meu Coração!", que se passa na fronteira com o Paraguai.

Na vertente histórica, um expoente é "No Intenso Agora", com o qual João Moreira Salles rompe um hiato de dez anos, desde Santiago (2007).

O documentário compila imagens de arquivo dos anos 1960 mundo afora e esboça aproximações ou distanciamentos. O diretor diz que a efervescência do momento atual não pesou no seu longa, que retrata uma época igualmente conturbada.

"Aconteceu o contrário. Foram os eventos de 1968 –e, em especial, a luminosa e fugaz intensidade de certos momentos daquele ano– que moldaram a maneira como acompanhei os protestos brasileiros", diz à Folha.

Ponta de lança da invasão brasileira, Marcelo Gomes diz que o acirramento político o levou a Tiradentes. "Quando se vai ao psicanalista resolver uma crise, começamos tentando desvendar o passado."

CIDADÃO COMUM

Gomes cavoucou o caldeirão cultural das Minas Gerais do século 18, em que a "riqueza já estava sendo concentrada numa elite ligada à terra enquanto que a população mista estava alijada disso".

Para retratar Tiradentes (papel de Júlio Machado), o cineasta diz ter buscado se afastar da interpretação ufanista ou messiânica desse personagem histórico de que direita e esquerda, cada uma a seu modo, se apropriaram.

"Não queria o herói, mas o cidadão comum, que convivia naquele caldo cultural e que teve a consciência política amadurecida."

Com delegação expressiva e numa mostra politizada, atos como o da equipe de "Aquarius" em Cannes devem se repetir. Davi Pretto, de "Rifle", por exemplo, foi um dos que puxaram o coro de "Fora, Temer" no Festival de Brasília, em setembro passado.

Gomes afirma que o assunto tem sido discutido entre os cineastas brasileiros, mas prefere não detalhar.

"Joaquim" compete pelo Urso de Ouro contra 17 outros filmes, incluindo "Una Mujer Fantástica", do chileno Sebastián Lelio, "The Other Side of Hope", do finlandês Aki Kaurismäki, e "The Party", da inglesa Sally Potter.

Também fazem parte da programação "Logan", novo episódio do super-herói Wolverine, e "T2 Trainspotting", continuação do filme de Danny Boyle, 20 anos mais tarde.


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