Folha de S. Paulo


Em 40 anos, Centro Pompidou passou de 'fábrica horrível' a ícone parisiense

Impossível para quem passa pelo bairro histórico do Marais não ver a estrutura retangular imensa de vidro com tubos coloridos e escadas rolantes aparentes que levam os visitantes até o 6° andar, de onde se pode admirar uma vista incrível de Paris.

A construção foi projetada pelos arquitetos Renzo Piano, Gianfranco Franchini e Richard Rogers, com a colaboração do inglês Edmund Happold.

Foi o presidente Georges Pompidou que idealizou a criação de um centro multidisciplinar dedicado à arte do nosso tempo, no coração da capital. Ele morreu em 1974, sem ver seu sonho realizado. Coube ao seu sucessor, Valérie Giscard d'Estaing, inaugurar o local em 31 de janeiro de 1977.

Loic Venance/AFP
(FILES) This file photo taken on January 21, 2007 shows thousands of blue balloons released in front of the Georges Pompidou Center, also known as Beaubourg in Paris, as part of the
Fachada do Centro Georges Pompidou, que celebra 40 anos em 2017

O primeiro grande desafio do Centro foi enfrentar a reação negativa dos parisienses à sua arquitetura inovadora demais. A polêmica foi enorme e a construção era definida pelos habitantes como "uma refinaria monstruosa".

Brigitte Lehalle, diretora-adjunta do Museu de Arte Moderna e Contemporânea do Beaubourg, lembra da avalanche de reações negativas na época: "A ideia foi a de criar um edifício totalmente novo, que chocou muito os parisienses quando foi aberto porque parecia uma fábrica industrial. Mas a originalidade era que o público podia encontrar ali todas as disciplinas artísticas e circular entre música, arte, cinema, enfim, todos os domínios culturais do século 20."

Uma visitante francesa de 51 anos, Constance, entrevistada na fila da entrada, lembra bem das críticas: " Há 40 anos eu tinha 11 anos, e vim aqui fazer uma redação para a escola cujo tema era 'você é contra ou a favor do Centro Pompidou?'. Já podem ter uma ideia da efervescência do tema naquele momento. Eu escrevi os argumentos dos meus pais, disse que o prédio era horrível, que parecia uma fábrica e que a França já tinha muitas fábricas, então, por que construir mais uma no centro de Paris? Mas, lá no fundo, eu sempre achei esse lugar extraordinário", ela confessa.

Uma das grandes atrações do Beaubourg é o próprio Beaubourg. E se os turistas vão conhecê-lo para descobrir suas coleções, os parisienses, com o tempo, o integraram no seu cotidiano e passaram a frequentar os seus espaços, independentemente das exposições.

Já na entrada sentimos o convívio, em frente à grande praça inclinada, a praça Beaubourg. Artistas de rua desenham retratos de turistas, malabaristas e engolidores de fogo fazem espetáculos e cantores entoam músicas de seus países, do flamenco aos cantos sagrados hindus, passando pelo rock e a bossa-nova.

Nos dias de calor, a grande área se torna ponto de encontro de amigos, sentados em círculo com suas cervejas e sanduíches.

A Biblioteca também é um ponto de encontro. Ali, além de pesquisas e leituras, as pessoas também podem ler os jornais internacionais do dia, ver as televisões do mundo inteiro, encontrar pessoas e fazer novos amigos, como disse à TV francesa uma senhora que frequenta o centro todos os dias. "Gosto de ver os estudantes estrangeiros", ela diz. Nori, uma japonesa apaixonada por cinema independente, adora vir às sessões para encontrar outros aficionados desse tipo de filme: "É uma boa oportunidade para trocarmos ideias e dicas de novos diretores e festivais".

A livraria e a loja do Beaubourg, com centenas de livros especializados em artes e reproduções de peças de design de artistas famosos, também são procuradas para quem quer oferecer um presente diferente. A atriz Anne-Lise, moradora do bairro, acabou de comprar uma case de celular criada pelo estilista francês Christian Lacroix: "Vou dar de aniversário para minha irmã. Aqui sempre encontro alguma coisa especial, diferente".

Centro Pompidou

ACERVO

O Centro Pompidou reúne três instituições de renome: o Museu de Arte Moderna e Contemporânea, a Biblioteca Pública de Informação (BPI) e o Ircam, um dos mais respeitados institutos de música e pesquisas acústicas, fundado pelo compositor e maestro Pierre Boulez.

O tempo da rejeição ficou no passado. O Beaubourg recebeu 3 milhões e 300 mil visitantes em 2016, que puderam admirar, em exposições temporárias e permanentes, todas as correntes artísticas dos séculos 20 e 21. Do fauvismo à arte abstrata, passando pelo cubismo e surrealismo, o Centro oferece um percurso completo da criação artística dos últimos 110 anos.

BIBLIOTECA

A Biblioteca do Centro Pompidou é a maior biblioteca pública da Europa. Ela recebe cerca de 4.000 pessoas por dia, que podem consultar livros e utilizar os serviços gratuitamente.

A diretora Christine Carrier explica que a biblioteca tem várias missões: "Uma missão cultural muito forte de acesso ao conhecimento acadêmico, universitário, mas também ao conhecimento através da leitura de obras literárias, de histórias em quadrinhos, de outros meios. Tem também uma função social. Nós estivemos diante de uma onda de imigrantes que vieram à biblioteca porque tinham necessidade de ficar em contato com suas famílias, e a biblioteca tem computadores com internet", ela conta.

Além de ateliês de aprendizagem de idiomas, o local também oferece uma série de cursos para a vida prática como informática, mecânica e até as leis do trânsito na França.

IRCAM

O Ircam, Instituto de Pesquisa e Coordenação Acústica na Música é um dos maiores centros de pesquisa pública do mundo, consagrando-se à criação musical e à pesquisa científica. Concertos, festivais e cursos compõem as atividades do Instituto, que tem 160 colaboradores, foi fundado pelo maestro Pierre Boulez e hoje é dirigido por Frank Madlener.

BRASILEIROS NO POMPIDOU

O Brasil também tem seu espaço no Museu de Arte Moderna e Contemporânea, com obras de Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Ernesto Neto, Hélio Oiticica, Lygia Pape, Lygia Clark, Mira Schendel, Oswald de Andrade (Manifesto da Poesia Pau Brasil), entre outros.

O 40° aniversário do Centro Pompidou será celebrado durante todo o ano de 2017, com exposições e eventos em 40 cidades francesas. A "fábrica horrorosa" é hoje um dos locais mais queridos de Paris, uma referência para todas as idades e todas as nacionalidades.


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