Folha de S. Paulo


Crítica

Prosa inquietante de Elvira Vigna chega a um novo patamar

Renato Parada/Divulgação
A escritora Elvira Vigna. CRÃDITO: Renato Parada/Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
A escritora Elvira Vigna

Um homem, João, relata seus encontros com garotas de programa diante de uma jovem sem nome, narradora do livro.

Se em "Por Escrito", de 2014, a escritora Elvira Vigna já havia subido o tom, em "Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas", lançado em 2016, a autora alcança um novo patamar. O humor peculiar continua ali, mas convive com uma espécie de ferocidade nova.

De modo que Vigna passa a ocupar, quando se considera uma série de fatores, um nicho próprio. "Inquietante" é um epíteto fácil para uma obra que vem se destacando desde "Deixei Ele Lá e Vim", de 2006. E o que inquieta é justamente o caráter único da prosa de Vigna.

Não que a ferocidade não estivesse lá antes. O que muda é a intensidade e o caráter dessa ferocidade. A impressão que se tem é que Vigna finalmente mostra os dentes, em um gesto que é simultaneamente um esgar agressivo e uma gargalhada. O artifício serve para zombar da fragilidade da masculinidade, dos inúteis jogos de poder, da procura exaustiva por algo que pode estar ali ao lado.

Enquanto enumera suas aventuras em um escritório mal-iluminado, João vê a si mesmo como um transgressor. A narradora sabe que não é bem assim. A matéria-prima do romance é, portanto, um clichê. O personagem de João é um estereótipo.

As garotas de programa são meros instrumentos que possibilitam a João uma fuga contínua. João não as vê como pessoas, mas como telas em branco em que ele projeta o que deseja. Uma sucede a outra, compondo uma espécie de palimpsesto.

A intenção da autora era justamente ressaltar o que há de ordinário em João. Partindo do lugar-comum, ou seja, a mediocridade do personagem, o enredo se desdobra a fim de encadear eventos antes insuspeitos.

Como os demais narradores da obra de Vigna, a de "Como se Estivéssemos em Palimpsesto de Putas" também se encontra em uma espécie de encruzilhada.

Seria possível dizer que os personagens criados pela autora são todos desiludidos, não fosse essa uma descrição inexata. Sempre há um resquício de deslumbramento que pode, quando considerado em oposição à agressividade e à melancolia, passar por idiossincrasia.

"Como se Estivéssemos..." é marcado por uma série de conceitos opostos, entre eles os de mudança e estagnação. Entre Heráclito e Parmênides, Vigna fica com ambos.

Como Se Estivéssemos Em Palimpsesto De Putas
Elvira Vigna
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Mesmo o estilo do livro é dúbio. Pela forma –cortes abruptos, períodos curtos–, é um milagre que a escrita escape de ser rígida. Pode parecer estranho, mas a descrição de uma boate frequentada por João serve bem para definir a própria narrativa: "Ah, sim, tudo se move, tudo nunca está parado, e se moveriam devagar, sinuosos, tudo e todos, mesmo se não houvesse, como há, o ritmo".

COMO SE ESTIVÉSSEMOS EM UM PALIMPSESTO DE PUTAS
AUTORA Elvira Vigna
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 44,90 (216 págs.)


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