Folha de S. Paulo


Andrew Garfield tenta o Oscar como o militar de 'Até o Último Homem'

Pelo físico, é improvável que alguém pense em Andrew Garfield, 33, como um herói no cinema. Mas deve haver traços de heroísmo em algum ponto da figura esguia e meio desajeitada do ator - afinal, após viver o Homem-Aranha, encarna um ícone de bravura da Segunda Guerra em "Até o Último Homem".

Com o papel do militar, emplacou sua primeira indicação ao Oscar de ator -o longa, dirigido por Mel Gibson, disputa outras cinco estatuetas (veja quadro ao lado).

Mark Rogers/Summit via AP
Andrew Garfield em cena de 'Até o Último Homem
Andrew Garfield em cena de 'Até o Último Homem'

O personagem de Garfield se baseia em Desmond Doss, médico que foi ao front no Japão e voltou aos EUA condecorado por valentia. Mas enquanto esteve na guerra, Doss não tocou em uma arma; sua intrepidez estava em arriscar a própria vida para salvar a de soldados feridos.

O longa marca a volta de Gibson à direção -e em grande estilo- 11 anos após "Apocalypto". O filme estreou no Festival de Veneza, em 2016, quando Garfield e Gibson falaram à Folha.

"Desmond se recusava a pegar em armas não por princípio intelectual, mas por instinto. Era um herói relutante: nunca quis nem vender os direitos sobre sua história nem desejou um filme sobre si. Estranhamente, aqui estamos", diz Garfield, dando uma olhada para seu diretor.

O filme se divide em duas partes: a primeira, mais leve, traz Doss ainda nos EUA-um caipirão que se torna médico só para ajudar feridos de guerra. Já a segunda, rica em adrenalina, se passa na sangrenta batalha de Okinawa.

Em várias cenas, Doss desce um penhasco com feridos segurando só em uma corda. "O coordenador de dublês me perguntou se queria uma mãozinha. Eu disse que poderia trazer os soldados sozinho, como Desmond. Depois do primeiro, vi que teria de pedir ajuda", ri Garfield.

"Desmond era magrelo como eu. Mas, como aquelas mães que erguem carros para salvar seus bebês, ele estava tomado por uma força vinda de outro lugar", diz. Gibson completa: "Desmond era como alguém de outro planeta: não há muitos como ele".

TRÊS 'ES'

O diretor e ex-galã diz que o filme foi uma encomenda.

"Em geral, eu me interesso por fazer coisas que ninguém toparia fazer, como 'A Paixão de Cristo', e embarco sozinho, recorrendo inclusive ao meu bolso", diz. "Mas li o script e achei importante contar aquilo. Toda grande história tem de cumprir com os três 'es': entreter, educar e elevar. O roteiro tinha todos."

Sobre a longa ausência como diretor, Gibson explica: "É algo que volta de quando em quando. Espero o espírito baixar para me entregar ao novo desafio: ele simplesmente encontra a gente", diz.

Pode até ser, mas o que o cineasta não conta é que, dos anos 2000 para cá, sua carreira passou por um período crítico. Bebedeiras, declarações politicamente incorretas e o avanço da idade reduziram seu estrelato.
As dificuldades de produção atestam isso: o filme foi todo rodado na Austrália por ser mais em conta e teve orçamento de "apenas" US$ 40 milhões. "Mas olhando, parece que custou US$ 100 milhões!", gaba-se. "Acho que sou um bom cineasta."

Apesar dos elogios à direção, o filme vem sendo considerado muito americanófilo por alguns críticos. Garfield discorda -aliás, diz até ver no filme um tom crítico aos EUA da era Trump.

"Algo estranho está ocorrendo, essa percepção de que um homem vai salvar todo mundo. É enganador, é uma forma de nos deixar à espera de que um super-herói venha do nada resolver tudo", diz. "Desmond era outro tipo de herói: sempre teve como ambição única ser ele mesmo".

Para Gibson, o herói de seu filme, apesar de não ter superpoderes, não difere muito dos da ficção. "A diferença é uma só: os super-heróis da vida real não usam laicra."


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