Folha de S. Paulo


Livro narra vida de Yara Amaral além do trágico fim no Bateau Mouche

Vania Toledo/Divulgação
A atriz Yara Amaral atua na montagem paulistana de 'Os Filhos de Kennedy', encenada por Sérgio Britto em 1977
A atriz Yara Amaral atua na montagem paulistana de 'Os Filhos de Kennedy', encenada por Sérgio Britto em 1977

Com 25 anos de teatro e duas décadas na TV, a atriz Yara Amaral (1936-1989) vivia longa fase de reconhecimento. Não parecia justo ao ator Eduardo Rieche, autor de "Yara Amaral - A Operária do Teatro", que ela permaneça conhecida como "a atriz que morreu no Bateau Mouche".

Publicada neste mês, a biografia procura resgatar a trajetória eclipsada pela tragédia do naufrágio, noticiada em 1º de janeiro de 1989.

Contraditoriamente, Rieche traz para o início da obra o relato de 19 páginas sobre a noite em que o Bateau Mouche 4 virou no litoral do Rio, pouco antes da tradicional queima de fogos na praia de Copacabana, matando 55 pessoas, entre as quais Yara Amaral e a mãe da atriz.

"Queria me ver livre desse tema logo no começo do livro", diz o autor, ao explicar a opção. É ainda na página 29 que o leitor passa a acompanhar a história das 153 pessoas que embarcaram após pagarem, pela noite de Réveillon, o que o autor diz ser o correspondente a R$ 1.500.

O barco e as reformas pelas quais passou para aumentar sua capacidade e tornar-se turístico são descritos minuciosamente, bem como as falhas nos processo de vistoria e de documentação.

Pouco antes de morrer, Amaral foi ao banheiro e contou para Dirce Grotkowski, uma amiga, que havia água transbordando pelo vaso sanitário -indício do que viria.

Do episódio do Bateau Mouche, o livro faz uma digressão irônica para uma das peças de maior sucesso de Amaral, ironicamente intitulada "Réveillon", texto de Flávio Márcio dirigido por Aderbal Freire-Filho.

No espetáculo, que estreou no Rio em 1974, familiares celebram o fim de ano -"todos morrem no final", diz Rieche.

Feita essa estranha associação, o livro descreve as relações criadas entre os atores e entre diretor e elenco, bem como os ensaios. Freire-Filho, em depoimento a Rieche, tece relatos sobre a liturgia que resultou em cada cena.

"A 'loucura' da Yara era a de ir com todas as ganas, de mergulhar fundo no exercício", disse o diretor ao autor.

Além de detalhar processos de criação -também de peças como "Arena Conta Tiradentes", de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri (1967), e "Os Veranistas" (1978), de Gorki, dirigido por Sergio Britto"-o livro sublinha contextualizações.

"As escolhas dela [Amaral] sempre tiveram muito a ver com o momento histórico, achei importante não deixá-las soltas", diz o autor.

A trajetória da atriz passa pelos anos da ditadura, da censura e da abertura política. Não é só pontuada pelas peças engajadas mas também pelas comédias de costumes populares na época.

O texto alterna o retrato do rigor da atriz com descrições de sua personalidade e conflitos íntimos, -como a crise por se dividir entre a educação dos dois filhos e o trabalho- e a perfila psicologicamente, revelando sua despreocupação com a aparência.

Esses aspectos pessoais, aliás, proveem os momentos mais cômicos do livro. Em um deles, Rieche narra a aversão de um dos filhos de Amaral ao teatro -quando ele se portava mal, a mãe o levava às sessões como castigo.

O tributo que Rieche paga à atriz com o livro é também pessoal. Na introdução, ele conta que se decidiu pela atuação após vê-la em cena.

"Fui visita-la em 1987, apos a sessao de "A Cerimônia do Adeus", com a intenc'ao de oferecer-lhe um poema, cujos versos -hoje reconhec'o- eram bastante prosaicos", conta. "Mas Yara, com elegancia, respondeu-me com a dedicatoria: Eduardo, talento, vocac'ao e, acima de tudo, trabalho! Com todo afeto, Yara."

YARA AMARAL - A OPERÁRIA DO TEATRO
AUTOR Eduardo Rieche
EDITORA Tinta Negra
QUANTO R$ 89,90 (736 págs.)


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