Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Voz de 'Vaga Carne', de Grace Passô, ecoa no palco crise da representação

A crise da representação não é apenas política; é do sujeito, e o teatro já opera a partir dela há tempos. O solo "Vaga Carne" permite essa analogia quando suscita no espectador a busca por sentidos onde, a priori, não os há.

Daí o inusitado da deriva sobre o "nada absoluto" e regida por uma voz inquieta e ferina que ambiciona penetrar tudo que "vê", da pele ao objeto, dessacralizando o corpo e o espaço. Nem personagem, nem narradora, manifesta-se sob diferentes formas e provocações, ora metafísicas, ora existenciais.

Na ousada proposição não dramática, a atriz e dramaturga Grace Passô consegue pactuar uma brincadeira bem urdida para subverter noções de autoria, implodir significados e significantes até que essa voz diga a que veio e se vá.

Lenise Pinheiro/Folhapress
CURITIBA, PR, BRASIL, 01.04.2016 - A atriz Grace Passô durante sessão de ''Vaga Carne'', espetáculo do projeto ''Grãos da Imagem'', no Festival de Teatro de Curitiba 2016, no Teatro Paiol, em Curitiba (PR) (Foto: Lenise Pinheiro/Folhapress)
CURITIBA, PR, BRASIL, 01.04.2016 - A atriz Grace Passô durante sessão de ''Vaga Carne'', espetáculo do projeto ''Grãos da Imagem'', no Festival de Teatro de Curitiba 2016, no Teatro Paiol, em Curitiba (PR) (Foto: Lenise Pinheiro/Folhapress)

Acompanhamos desilusões e percepções de mundo como quando a voz-corpo senta-se numa cadeira vaga na plateia, saracoteia em seu casaquinho de lantejoulas ou vocifera uma palavra assoprada pelo público (naquela noite, "golpe", repetindo-a).

Só é possível embarcar na experiência porque Passô é espirituosa na performance de ser, não ser e desaparecer. Presença solar já no breu da abertura, quando a "protagonista", oculta, sussurra a chegada e não demora a "ocupar" as paredes da cabeça da mulher e negra que ela é, vibrante como o pensamento, a tocar em preconceitos.

A mediação da atriz para o sistema que inventa –uma voz camuflada num humano que fala– lembra o poeta Manoel de Barros em "O Livro Sobre o Nada", preenchendo as páginas com "Tudo que use o abandono por dentro e por fora". Ele, com a palavra. Ela, desencapando o poder do verbo e da imagem.

Sintomático que a ficha técnica ignore a função direção. Caberia uma? Improvável. A também inspirada equipe de profissionais contribui para criar a sintaxe entre os fios e os ecos infinitos.

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VAGA CARNE
QUANDO: QUI. A SÁB., ÀS 21H; DOM. E DIA 25/1, ÀS 19H; ATÉ 5/2
ONDE: SESC POMPEIA, R. CLÉLIA, 93, TEL. (11) 3871-7700
QUANTO: R$ 7,50 A R$ 25
CLASSIFICAÇÃO: 14 ANOS


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