Folha de S. Paulo


MEMÓRIA

Editor apaixonado, Toninho Mendes encantou uma geração

Toninho Mendes -morto de infarto na quarta (18)- tinha como drinque preferido nos últimos anos o white russian (vodca, licor de café e creme de leite), como The Dude, o personagem principal de "O Grande Lebowski". Como The Dude, fumava sem parar. Mas recentemente seu cigarro preferido era o de palha, sempre acendido com fósforos.

O gosto da palha e o cheiro dos fósforos o transportavam para 1966, quanto tinha 12 anos e começou a trabalhar na banca de gibis do Manelão, na feira da rua Jaguaretê, na Casa Verde, zona norte de São Paulo.

Ali, Antonio de Souza Mendes Neto lia "Tio Patinhas", "Fantasma", "Tarzan", "Mandrake", "Cavaleiro Negro", "Flecha Ligeira", "Sobrinhos do Capitão" e ainda o herói brasileiro "Águia Negra".

Leonardo Crescenti/Arquivo Circo
Os cartunistas Glauco e Angeli e o editor de quadrinhos Toninho Mendes
Os cartunistas Glauco e Angeli e o editor de quadrinhos Toninho Mendes

E foi ali que Toninho pegou amizade com um cliente de dez anos, Arnaldo Angeli Filho. Quando essa amizade completou a maioridade, 18 anos depois, rendeu frutos que lambuzaram toda uma geração de adolescentes.

Em 1983, Angeli havia iniciado sua série de tiras Chiclete com Banana na "Ilustrada". E, no no dia em que a votação direta para presidente do Brasil foi derrubada pelo Congresso, em 25 de abril de 1984, Toninho Mendes lançou o primeiro livro de sua editora, a Circo Editorial.

Era uma reunião das melhores historinhas de Angeli publicadas pela Folha, que teve oito edições, com 30 mil exemplares vendidos em livrarias.

Um outubro de 1985, a Circo chegou às bancas. "Chiclete com Banana nº 1", com Rê Bordosa e Bob Cuspe na capa, trazia material inédito, pensado para o formato de revista.

Para fechar as 48 páginas, Toninho encomendou uma história para Glauco Villas Boas (1957-2010), que veio com "Snif, Snif, Cof, Cof": um cara aparece fumando, cheirando e bebendo antes de fazer sexo com a namorada. Até que ele explode. E ela fala: "É o quarto namorado que eu perco esse mês".

Foram impressas 50 mil cópias e, se 13 mil fossem vendidas, o custo já estava pago. Vendeu 28 mil. Do segundo número, 38 mil. Toninho aumentou a tiragem da terceira para 70 mil, e as bancas venderam 50 mil.

Ele então passou a reimprimir os primeiros números da "Chiclete", alternando-as com a edição bimestral normal. E não era só: as bancas passaram a receber "Geraldão", de Glauco, "Circo", estrelada por Laerte, Luiz Gê e Paulo Caruso, e "Niquel Náusea", de Fernando Gonsales.

ANARQUIA
Era uma vez um editor apaixonado por quadrinhos, que tinha uma visão da imprensa como mobilizadora social, formado em jornais alternativos como "Versus" e "Movimento", com uma visão anarquista da política.

E havia também um empreendedor tentando aprender a administrar dinheiro. Ambos eram Toninho Mendes.

Se grandes empresas penavam para lidar com a inflação da época, que dizer do neoempresário? "Chiclete com Banana nº 11" vendeu 100 mil exemplares, mas em março de 1987 a inflação chegou a 21%. Três anos depois, a 82%.

Com isso, o editor era obrigado a apostar: o preço, impresso na capa das revistas, tinha que levar em conta 15 dias na gráfica para imprimir. Sete dias para ir às bancas, 30 dias para recolher e outros 15 dias para receber. Total: nove semanas, em média. Assim, não raro vendia os 100 mil exemplares de uma edição e com a grana não conseguia pagar o papel da próxima.

Houve uma série de outros problemas. A periodicidade começou a falhar. A "Geraldão", que começou como trimestral, virou bimestral e voltou a ser trimestral em questão de um ano. Os custos salariais, porém, eram mensais. E em 1989 as vendas começaram a cair. A novidade havia passado. Algumas revistas baixaram de 40 mil para 15 mil.

Toninho entrou nos anos 1990 colocando um ponto final em todos as suas revistas e criou novos formatos para seus grandes artistas. Mas isso já é outra história.

A moral dessa é que em 1984 não houve aquela esperada eleição direta. Mas a linguagem de Glauco, de Laerte, de Angeli, a linguagem da Circo, a linguagem de Toninho Mendes encantaram uma geração. E certamente continuam encantando.


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