Folha de S. Paulo


Crítica

Voz de Lucy Barton permanece com o leitor

Para o leitor não familiarizado com o nome de Elizabeth Strout, vale dizer que ele vem precedido de recentes credenciais muito caras ao mundo literário anglófono (e anglófilo).

A principal é o Pulitzer de ficção que a autora americana recebeu em 2009 por "Olive Kitteridge", romance anterior a "Meu Nome É Lucy Barton".

O novo título figurou na "longlist" do Man Booker de 2016 e, no seu lançamento em língua inglesa, no começo daquele ano, foi acolhido muito bem por crítica e público, chegando a ser best-seller na lista do "New York Times".

A obra segue um inesperado reencontro entre mãe e filha num quarto de hospital –a primeira vai visitar a segunda, depois de anos de distanciamento.

No princípio do livro, é um pouco difícil escapar da sensação de estar diante de algo muito simples narrado de forma excessivamente construída. A fala de Lucy, protagonista e narradora –ela é escritora de profissão–, soa antinatural, quase construída numa oficina literária.

Ela tenta ordenar, num tempo já distante, seu passado. Nessa evocação, comparecem tanto os dias no hospital quanto sua biografia anterior ao período em que uma doença meio inexplicável a afasta de suas duas filhas pequenas e do marido, emocionalmente incapaz para estar ao lado de seu leito.

As limitações do marido fazem com que ele convoque a mãe de Lucy, uma mulher que nunca havia saído da rural Amgash, Illinois, onde a protagonista cresceu.

Conforme Lucy recorda uma infância miserável numa casa mal-ajambrada, sem livros, revistas ou qualquer traço de cultura, mesmo popular, entendemos que o traço artificial do discurso de Lucy vem de sua candidez.

Ao primeiro contato, vemos uma moça estranha, que não sabe quem são as celebridades de filmes que nunca assistiu, não conhece canções do rádio ou marcas famosas.

Depois, quando deixamos que se aproxime, vemos uma mulher sensível, sequiosa de amor e calor humano, mas ao mesmo tempo determinada, buscando ser, como lhe recomenda um dos poucos amigos, "implacável".

A narrativa de Strout tem outra qualidade: é excepcionalmente densa.

Nesse breve livro que mal passa de 150 páginas, cabem toda a vida de Lucy e também várias histórias de vizinhos e parentes, que lhe servem de elo com a mãe nos poucos dias que dividem.

Cabem ainda traumas de guerra e de abuso familiar, o pano de fundo da Aids devastadora nos anos 1980 e o desenvolvimento profissional da protagonista.

Meu Nome É Lucy Barton
Elizabeth Strout
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É preciso portanto romper a casca do que pode nos parecer esquisito para saber apreciar o cerne desse romance, narrado numa voz acima de tudo tocante, que continua acompanhando o leitor após seu fim.

Meu Nome É Lucy Barton
AUTORA Elizabeth Strout
TRADUÇÃO Sarah Grünhagen
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 29,90 (160 págs)
AVALIAÇÃO muito bom


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