Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Álbuns dedicados a um único compositor realçam obra nacional

Álbuns contendo obras de um único compositor brasileiro: essa foi a tendência comum a muitos CDs clássicos lançados em 2016.

A preferência reflete uma linha que permite iluminar as fases criativas de um artista do passado ou reunir produções autorais contemporâneas "in progress", bem como estimular o trabalho de intérpretes-pesquisadores.

É o caso de Nahim Marun em "Miniaturas de Oswald". O romantismo peculiar de Henrique Oswald (1852-1931) tem sido resgatado graças a iniciativas de pianistas como José Eduardo Martins e do próprio Marun, que realiza uma sofisticada interpretação de obras como "Trois Études" e "Nocturne" op.6 n.2.

A obra do cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920) também tem sido colocada em uma perspectiva menos contaminada por polêmicas datadas: é o caso da qualificada versão do Quarteto Carlos Gomes (liderado por Cláudio Cruz) para os seus três quartetos de cordas (a gravação anterior, do Quarteto Aureus, era do final dos anos 1990).

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O maestro Cláudio Santoro durante composição de partitura no piano, em 1956
O maestro Cláudio Santoro durante composição de partitura no piano, em 1956

Duas orquestras gravaram obras centrais da música brasileira do século 20: "A Retirada da Laguna", de César Guerra-Peixe (1914-93), excelente trabalho da Orquestra Filarmônica de Goiás (regida por Neil Thomson) e a Sinfônica de Campinas tocando Radamés Gnattali (1906-88).

Conduzido por Victor Hugo Toro, o grupo resgatou os três "Concertos Cariocas" do compositor: o n.1, de 1950, pode ter sido a primeira obra sinfônica escrita com a inclusão de guitarra elétrica solista.

RELUZENTE

Para além, dois CDs chamam a atenção: "Portrait", gravado em Paris com obras do compositor contemporâneo brasileiro Maury Buchala, e "Santoro Inédito".

"Portrait" traz quatro faixas altamente elaboradas, de escrita artesanal impecável e sonoridade reluzente: "Eindrücke" (violoncelo); "Tre Espressioni" (trio de cordas); "Partita" (piano, trio de cordas e flautim, que alterna com flauta baixo); e
"Concerto" (violino solo e grupo instrumental).

"Partita" (2008) justapõe tempos e texturas contrastantes em um processo de construção sonora que, imperceptivelmente, parece transformar os harmônicos das cordas em sopro (e vice-versa), sob a sustentação de uma estrutura pianística móvel.

O primoroso acabamento de escrita de Buchala já havia ficado evidente em "Cecília", arrojada encomenda da Osesp estreada em abril passado.

"Santoro Inédito", por outro lado, é uma revelação: o fagotista Fábio Cury e o pianista-cravista Alessandro Santoro (filho do compositor) fizeram um CD que permite perceber a unidade subjacente à diversidade estilística de Cláudio Santoro (1919-89).

Homem de seu século, engajado em todas as lutas estéticas e políticas, ele foi do dodecafonismo militante às canções tonais com versos de Vinicius de Moraes (1913-80).

O CD estimula contradições e até se arrisca (como na faixa remix a cargo do DG Raffa), mas o que fica na memória é a "assinatura harmônica" do compositor, o fio invisível que conecta um "Prelúdio" serial dos anos 1940 a uma "Dança" da década de 1950 e uma "Fantasia" dos anos 1980.

SANTORO INÉDITO
QUANTO: R$ 28,10
AUTOR: FÁBIO CURY E ALESSANDRO SANTORO
GRAVADORA: ÁGUA FORTE

PORTRAIT
QUANTO: R$ 20
AUTOR: MAURY BUCHALA
GRAVADORA: SELO SESC


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