Folha de S. Paulo


2016 foi um ano ruim para a morte de celebridades, segundo indicadores

2016 foi um ano particularmente ruim em termos de morte de celebridades, a julgar pelas muitas expressões de luto em plataformas de mídia social como o Twitter e o Facebook. Mas confirmar que o ano foi especialmente letal para os astros e estrelas é complicado.

Para começar, celebridade é uma qualidade subjetiva, e a afirmação de que maior número delas morreu em um determinado ano não é fácil de sustentar por meio de dados objetivos.

Mas isso não impediu diversas empresas de mídia, entre as quais o "New York Times", de tentar. A BBC e a Legacy.com, uma empresa que produz obituários online (esta com a ajuda de funerárias e jornais, entre os quais o "New York Times"), começaram a investigar o fenômeno no segundo trimestre de 2016, quando primeiro perceberam um pico no número de mensagens de e-mail e posts em mídias sociais lamentando o número incomumente alto de mortes de celebridades.

As duas chegaram à conclusão de que 2016 viu proliferação incomum no número de celebridades mortas, ainda que cada qual tenha usado um método diferente para sustentar a afirmação.

A BBC comparou o número de obituários "pré-preparados" - ou seja, escritos antes da morte de uma pessoa - publicados em 2016 ao número de obituários pré-preparados publicados em anos anteriores, de 2012 em diante. Em dezembro, a companhia britânica de notícias publicou um artigo informando que havia veiculado 49 obituários desse tipo na TV, rádio e online em 2016, ante 32 em 2015.

"Desde que faço esse trabalho, ou seja, há 10 anos, jamais havíamos usado tantos obituários", disse Nick Serpell, editor de obituários da BBC, em entrevista telefônica recente, se referindo a obituários escritos com antecedência.

Serpell reconheceu que usar o número de obituários escritos com antecedência como indicador de aumento no número de mortes de pessoas conhecidas era um método "falho", mas disse acreditar que essa seja a única maneira de "medir alguma coisa".

"Obviamente, há pessoas no Reino Unido de quem vocês nunca ouviram falar mas são famosas para nós, e vocês têm pessoas de quem nunca ouvimos falar, em geral linebackers do futebol americano", ele disse.

O estudo da Legacy.com foi conduzido por Linnea Crowther, redatora sênior de obituários de figuras públicas e de outros artigos para o site. Ela tentou evitar a questão do julgamento subjetivo ao tomar por foco pessoas que ela considerava como reconhecidamente famosas.

Crowther comparou o número de mortes de pessoas famosas sobre as quais a Legacy.com escreveu em 2016 com os números para anos anteriores, a partir de 2010, e atribuiu níveis relativos de fama aos nomes envolvidos, começando por sua opinião, monitorando a reação à notícia da morte nas mídias sociais e consultando colegas.

"As listas que compilei foram um tanto subjetivas", escreveu Crowther sobre sua metodologia. "Não existe maneira verdadeiramente objetiva de ranquear pessoas como muito famosas, um tanto famosas ou apenas um pouco notáveis. Mas o que me esforcei por fazer foi manter a maior coerência possível ao considerar as pessoas que morreram nos últimos sete anos".

Em recente entrevista por telefone, ela admitiu que as listas eram um tanto subjetivas.

"É como que um projeto de dados, mas não tão objetivo quanto um projeto de dados puro deve ser", disse Crowther.
Ela afirmou que a maioria das pessoas concordaria em que os nomes que ela considerou como celebridades mereceriam a designação.

"Todo mundo tem ideias ligeiramente diferentes sobre o que constitui celebridade", ela disse. "Se você olhar a lista de celebridades da Wikipedia, há mais de seis mil nomes, e alguns deles são nomes de cavalos. Não há cavalos na minha lista".

Crowther divulgou seus resultados e conclusões em posts trimestrais, o último dos quais publicado na primeira semana de 2017. As grandes celebridades mortas no trimestre final de 2016 e incluídas em seu cômputo incluíam Carrie Fisher, Janet Reno, Florence Henderson e Fidel Castro. No segundo escalão, ela cita o ator Ron Glass, conhecido das audiências por seu trabalho em séries de TV como "Firefly" e "Barney Miller".

Crowther computou 95 mortes de celebridades em 2016, ante uma média anual de 59 no período entre 2010 e 2015. Ela computou 32 mortes de grandes celebridades em 2016, ante uma média anual de 13 no período anterior de seis anos.

Crowther também constatou um número incomumente elevado de mortes no primeiro trimestre de 2016. Ela calculou que a idade média das celebridades de sua lista em 2016 era de 74,2 anos, ligeiramente inferior à média de 76,7 anos no período 2010-2015, e que número incomumente elevado dos mortos de 2016 - entre os quais David Bowie, Sharon Jones e George Michael - vinham do mundo da música.

O "New York Times", em sua avaliação sobre a incidência de mortes de pessoas famosas em 2016, empregou duas formas subjetivas de mensuração, nenhuma das quais pode ser considerada como indicador perfeito de celebridade. As constatações da pesquisa em geral batem com as da BBC e da Legacy.com, exceto por uma diferença crucial.

Primeiro contamos o número de pessoas em nossa coluna interativa Notable Deaths, uma coleção anual de obituários de pessoas proeminentes. Em 2016, a seção incluiu 357 obituários, 56 a mais do que os 301 de 2015. Nos quatro primeiros meses de 2016, a coluna recebeu 135 novos obituários, um número substancialmente mais alto que o da maioria dos quadrimestres. Em janeiro, o número de obituários publicados na seção foi de 41, o maior total mensal desde 2012.

A seção Notable Deaths vem crescendo significativamente desde que foi criada, em 2010, o que parece sustentar as tendências apontadas pela Legacy.com e BBC.

Em seguida, contamos o número de obituários publicados na primeira página do jornal em 2016 e 2015, quer em forma de artigos, fotos ou notas curtas nos sumários publicados no pé da página. A maioria desses obituários também surgiu na forma de links na home page do "New York Times" e nas contas de mídia social do jornal.

Em 2015, 31 obituários foram publicados na primeira página, ante 29 em 2016. Um total de 147 obituários foram mencionados na primeira página em 2015, e 135 em 2016. Em janeiro de 2016, 25 obituários apareceram na primeira página, o maior total mensal já registrado.

Assim, 2016 representou ou o ano mais recente na tendência a um número crescente de mortes de celebridades ou um pequeno recuo com relação a 2015, a depender do indicador escolhido pelo "New York Times".

É claro que ambas as formas de mensuração apresentam problemas, semelhantes aos encontrados nos indicadores adotados para os outros estudos, porque elas se baseiam em julgamentos subjetivos.

O posicionamento de notícias no "New York Times" depende de decisões editoriais; algumas mortes que poderiam ter sido reportadas na primeira página, por exemplo, talvez tenham sido deslocadas por outras notícias - especialmente em um ano eleitoral e olímpico. No caso da seção Notable Deaths, o oposto pode ser verdade. Ela cresceu em parte por conta da decisão de expandi-la ao incluir obituários de pessoas importantes mas menos conhecidos.

Além disso, os obituários na primeira página do "New York Times" não são reservados a celebridades convencionais. Alguns deles estão lá porque a pessoa em questão, ainda que não tenha conquistado grande fama, fez uma contribuição fascinante para o mundo. (A qualidade excepcional de um texto também pode ter encaminhado um obituário à primeira página.)

Um desses obituários, o de Tyrus Wong, artista e técnico de animação da Disney que deu a Bambi o desenho que o tornou famoso, se tornou o primeiro obituário de primeira página de 2017, em 1º de janeiro.

Mesmo que 2016 tenha sido um ano especialmente pesado para a morte de celebridades, o total pode se tornar frequente, dentro de alguns anos. Tanto Serpell quanto Crowther disseram que a morte de celebridades vêm em tendência de alta nos anos examinados, e que antecipavam que a tendência se manteria.

Eles especularam que isso era reflexo do crescimento explosivo da popularidade da televisão nos anos 50 e 60; as gerações de astros daqueles anos agora estão nos deixando.

"Será que em 2017 as coisas vão, por assim dizer, voltar ao normal?", questionou Crowther. "Provavelmente não".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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