Folha de S. Paulo


Governo da Coreia do Sul tinha lista negra com milhares de artistas

Quando o artista sul-coreano Hong Sung-dam fez uma pintura mostrando a então presidente Park Geun-hye como um espantalho manipulado por forças do mal, incluindo seu pai ditador, um dos assessores seniores da presidente discutiu maneiras de castigá-lo.

Pouco depois de a tela ser concluída, em agosto de 2014, a retaliação começou conforme o planejado na agenda do assessor, que veio à tona em novembro passado durante a investigação sobre o escândalo de corrupção que levou ao processo de impeachment de Park.

Primeiro um grupo cívico pró-governo moveu uma ação judicial contra Hong, acusando-o de difamar a presidente. Em seguida, seu trabalho foi excluído da Bienal de Gwangju, o mais conhecido festival internacional de artes da Coreia do Sul, em um ato que o prefeito de Gwangju admitiu mais tarde ter sido motivado por pressões do governo.

A retaliação não se limitou a isso, disse Hong. "Dezenas de ativistas conservadores se postaram diante do meu apartamento agitando fotos minhas no ar e me chamando de 'pintor comunista'", ele contou. "Recebi telefonemas com ameaças de morte."

Hong foi um dos milhares de artistas que teriam sido colocados em listas negras pelo governo de Park, cujos poderes foram suspensos durante seu processo de impeachment por acusações de corrupção e abuso de poder. A lista negra é um entre vários elementos no processo extenso a ter enfurecido o público e provocado reflexão nacional sobre a democracia jovem e o passado autoritário da Coreia do Sul.

Na quinta (12), três dos ex-assessores de Park, incluindo um dos antigos ministros da Cultura de seu governo, Kim Jong-deok, foram presos, acusados de colocar em listas negras figuras culturais avaliadas como desfavoráveis ao governo e de barrar seu acesso a programas de apoio controlados pelo poder público.

Duas versões da lista negra foram divulgadas até agora pela mídia, citando fontes anônimas. Autoridades públicas, entre elas o promotor especial que atua no processo, Park Young-soo, confirmaram a existência da lista negra, mas não a divulgaram.

Uma versão de 2015 da lista incluía mais de 9.000 nomes, segundo relatos da mídia. A lista abrangia alguns dos cineastas, atores e escritores mais populares do país, entre eles o diretor de "Oldboy", Park Chan-wook, e o ator Song Kang-ho, de "Expresso do Amanhã".

Oficialmente, a presidente via a promoção do cinema e outros produtos culturais como uma de suas prioridades principais. Sigilosamente, porém, seu governo vinha levantando obstáculos ao trabalho de artistas, reativando uma prática adotada por ditadores militares passados como seu pai, Park Chung-hee. Com isso, o governo vem "enfraquecendo seriamente a liberdade de pensamento e expressão", segundo o gabinete do promotor especial.

As revelações a respeito da lista negra cultural acrescentaram uma nova camada de notoriedade ao escândalo em torno da ex-presidente, e os promotores pretendem usar a lista para reforçar as acusações feitas a ela.

Quando a Assembleia Nacional votou pelo impeachment da presidente, em dezembro, acusou de conspirar com sua confidente de longa data, Choi Soon-sil, para extorquir propinas de empresas e reprimir autoridades e jornalistas.

O promotor especial investiga se Park e seu ex-chefe de gabinete Kim Ki-choon –mostrado na tela de Hong como uma das forças malévolas– se envolveram na inclusão de artistas na lista negra.

Os dois negam qualquer envolvimento. Mas outro ex-ministro da Cultura de Park, Yoo Jin-ryong, disse que a lista era ditada pelo gabinete presidencial.

Rumores sobre uma lista negra de artistas circulam há anos sob o governo de Park, cujo estilo de liderança frequentemente é comparado ao de seu pai. Os boatos se intensificaram depois de dois diretores de teatro premiados terem sido barrados de programas de subsídio público, sem explicações. Um deles tinha feito campanha para o principal adversário de Park na eleição de 2012, e outro produzira uma peça satirizando Park e seu pai.

Depois de os organizadores do Festival Internacional de Cinema de Busan terem exibido um documentário sobre a resposta de Park ao desastre da balsa Sewol em 2014, que fez mais de 300 mortos, o festival perdeu metade da verba pública que o financiava.

O ex-ministro da Cultura Yoo disse que em 2013, Kim, o chefe de gabinete de Park na época, determinou que o ministério da Cultura devia colocar determinados artistas em uma lista negra.

No mês passado um ex-assessor de Park foi acusado de conluio com a presidente para tentar chantagear uma vice-presidente da CJ, que comanda o maior estúdio de cinema da Coreia do Sul, obrigando-a a aposentar-se em 2013. Yoo disse em entrevista a uma rádio, em dezembro, que a empresa tinha enfurecido a presidente por financiar um filme sobre o ex-presidente Roh Moo-hyun, seu adversário ideológico. "Pensei que esse tipo de coisa só tinha acontecido no governo militar passado", disse o presidente da CJ, Sohn Kyung-shik.


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