Folha de S. Paulo


Fotógrafo dos escritores, Daniel Mordzinski lança livro no Brasil

De mãos dadas, o casal vestindo roupas de frio desce correndo uma praia. O foco se arrisca para capturar a alegria infantil em seus rostos.

Poderia ser uma cena de filme, mas é um retrato dos escritores mexicanos Álvaro Enrigue e Valeria Luiselli feito por Daniel Mordzinski.

Procure uma foto de um escritor posando em sua biblioteca pelas páginas de "A Literatura na Lente de Daniel Mordzinski" e não achará.

No seu primeiro livro lançado no Brasil, porém, o fotógrafo argentino, 56, colocou-os em cemitérios, em pedestais, ou dormindo num terraço à beira-mar, tendo por coberta só um céu cinza, caso do poeta Eucanaã Ferraz.

As "fotinskis", "foto + Mordzinski", termo que ele próprio emprega e define em entrevista à Folha, "são travessuras visuais, sempre rápidas e respeitosas". "Para que haja uma fotinski, tem de haver intimidade, uma sorte de diálogo, ainda que inaudível, mas não invisível."

"O Mordzinski é sobretudo um fotógrafo-encenador", diz Eucanaã Ferraz. "Ele transforma seus fotografados em personagens. Escritores são uma gente que entende disso."

O poeta carioca conta que Mordzinski rapidamente cria esses cenários, como no caso de seu retrato no livro.

Depois de algumas imagens feitas na saída de um restaurante em Póvoa de Varzim, onde acontecia um encontro de escritores, o fotógrafo perguntou ao poeta o que ele usava para dormir. "Pijama, respondi. Ele pediu que eu vestisse meu pijama e descêssemos para a foto."

Era inverno e fazia um frio "insuportável" no norte de Portugal, lembra Ferraz. Mas, diz, "você não pergunta a um fotógrafo com o nível de profissionalismo e a simpatia do Mordzinski o que ele vai fazer. Você simplesmente vai".

"Creio que escritores e outros artistas aceitam entrar no jogo dele porque sabem que o resultado ficará ótimo, mas sobretudo porque compreendem que um criador precisa de matérias para criar."

"Para mim, a única fronteira clara é o respeito. Os escritores aceitam minhas propostas porque se divertem e sabem que nunca os engano", afirma Mordzinski.

Para retratar a tímida Ana Martins Marques, escolheu bambus entre os quais a poeta mineira quase se esconde.

A imagem foi feita a convite do Festival Literário Internacional de Belo Horizonte, em 2015, para uma mostra do fotógrafo com imagens de escritores em suas cidades.

"Nunca gostei de ser fotografada e estava muito apreensiva. Daniel propôs um encontro no dia anterior e fiquei bastante surpresa ao ver que ele já conhecia bem meus livros", recorda ela, que, como Ferraz, evidencia o lado criador de Mordzinski.

"Não é todo dia que se tem a sensação de ver um artista de verdade trabalhar; ver o Daniel fotografar me deu essa sensação. Sendo um 'fotógrafo de escritores', ele parece entender a fotografia como o fragmento de uma narrativa, uma pequena história", diz a poeta.

"Tenho a impressão de que ele captou um certo modo de 'mostrar-se escondendo-se' em que reconheço alguma coisa minha, talvez também algo da minha escrita."

O próprio Mordzinksi reconhece a característica narrativa de suas imagens.

"Desde a adolescência compreendi que eu pertencia ao mundo das ficções. E que, mesmo sem ser poeta ou romancista, não podia deixar o mundo das palavras. Isso me faz ter uma atitude com os autores que não é nem melhor nem pior que a de outros colegas, mas é diferente, uma espécie de sintonia."

BORGES

A experiência de Mordzinski no mundo literário começa em 1978, com um retrato de Jorge Luis Borges, que abre o livro. É uma imagem formal, em branco e preto. "Demorei alguns anos para encontrar minha própria poética."

Mesmo trabalhando como correspondente de guerra em Israel, em meados dos anos 1980, não deixou de retratar escritores –Amós Oz e David Grossman, por exemplo, aparecem em um de seus muitos livros, editado na França pela Gallimard, em 2008.

Ambos estão também no volume brasileiro que, com mais de 300 retratos (de prêmios Nobel, como Saramago, Herta Müller e Patrick Modiano; de best-sellers, como Karl Ove Knausgard e Jorge Amado), é o primeiro livro do fotógrafo a reunir imagens de escritores de todo o mundo.

A amplitude de seu catálogo, aliás, em parte salvou o trabalho do fotógrafo.

Em 2013, o jornal francês "Le Monde" jogou fora por engano os arquivos de Mordzinski, guardados de modo informal na sede do diário em Paris, onde o fotógrafo vivia –ele hoje reside em Madri.

Na mostra "Objetivo Mordzinski", em cartaz em Buenos Aires, o fotógrafo expõe pela primeira vez imagens que recuperou depois da perda.

"Sempre dei de presente fotos em papel aos escritores que retratei. Agora eles me emprestam essas cópias, e a Audiovideoteca de Buenos Aires as digitaliza. Depois eles recuperam suas cópias. Nunca imaginei que dando uma foto de presente a estava também salvando."

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A LITERATURA NA LENTE DE DANIEL MORDZINSKI
AUTOR Daniel Mordzinski (textos introdutórios de Adriana Lisboa e Víctor Andresco)
EDITORA Sesi-SP
QUANTO R$ 110 (412 págs.)


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