Folha de S. Paulo


Depoimento

Não é só Donald Trump que caçoa de repórter com deficiência

Uma das minhas labutas mais grossas de vida é vencer sorrisinhos cínicos e desleixos de atenção de quem, à primeira ou à segunda vista, não acredita ou não quer acreditar que um repórter pode trabalhar a bordo de uma cadeira de rodas, sobretudo, em um grande jornal.

E não somente eu, mas colegas surdos, paralisados cerebrais, cegos, que estudaram e se capacitaram como qualquer um para exercer o ofício da "busca da verdade" precisam rebolar e ter sangue frio para que sua condição física ou sensorial não passe recibo de incompetência.

Quando o presidente Donald Trump imita um jornalista com deficiência e comove Meryl Streep, Hollywood e o mundo, lembro-me das fontes que escalaram auxiliares para dar atenção ao "aleijado", aos que me questionaram se eu "era mesmo da Folha", aos que desmarcaram entrevista porque poderiam "não saber lidar" com o meu "problema".

Embora imitar os trejeitos de um jornalista com deficiência seja asqueroso para um mandatário, que deveria dar exemplos de inclusão e de cidadania –justamente, as palavras da atriz–, o impacto da rejeição à mão de obra de um profissional fora dos padrões é mais relevante.

Não menos importante é pontuar que empresas de comunicação não são assim totalmente adeptas ao "todos juntos". Quantos repórteres com deficiência estão nas grandes emissoras? Quantos atores "malacabados", como costumo provocar, estão nas produções de cinema?

Quanto mais plural uma redação, uma arte, mais ganham leitores, espectadores.

A defesa da diversidade deve ser maior que a proteção a ridículas imitações e desprezos à forma. Deve ser ampla e avançar na garantia de direitos, de representação e de acesso ao trabalho, sejam eles quais forem.


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