Folha de S. Paulo


Análise

Linguagem de Zygmunt Bauman foi generosa com pessoas comuns

Bauman foi um desses intelectuais que marcam uma época. Sua intenção era nos ajudar a entender o mundo em que vivemos desde o final do século 20. Será lembrado não porque deixe uma obra do porte de um Marx, Weber ou Hegel, mas porque, como poucos, nos ajudou a entender o mundo contemporâneo numa linguagem generosa, sinceramente angustiada (era um nostálgico das "certezas" enterradas em Auschwitz) e aberta ao mundo fora da academia.

E essas virtudes são tão importantes quanto a profundidade conceitual, que nunca faltou em suas obras de maior fôlego.

Às vezes acusado de superficial e de escrever muito, Bauman nunca foi superficial, mas preocupado em ser entendido pelas pessoas comuns, ansiosas com o fato de o mundo parecer ter deixado de lado o projeto por "um mundo melhor".

Michal Cizek/AFP
(FILES) This file photo taken on October 22, 2012 shows Zygmunt Bauman, Polish-born British sociologist and philosopher during the 16th Forum 2000 Conference in Zofin Palace in Prague. Zygmunt Bauman died at his house in Leeds aged 91, Polish media report on on January 9, 2017. / AFP PHOTO / MICHAL CIZEK ORG XMIT: 968
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman durante conferência em Praga, em 2012

Não escreveu livros demais, tentou dar conta da realidade contemporânea a partir de um conjunto de conceitos e metáforas de fácil compreensão que ele mesmo criou.

Intelectuais, na sua maioria, não são pessoas generosas em sua linguagem ou pensamento. Pensem num Hegel, num Lacan, num Derrida, num Adorno. Todos grandes intelectuais, mas todos escreviam numa linguagem hermética para iniciados.

Em obras mais abertas ao público, Bauman aplica seus conhecidos conceitos de "líquido" (ninguém mais usará esta expressão sem perceber nela um conceito), "ambivalência" (quanto mais tenta ordenar o mundo, mais confuso o deixa) e "mal estar na pós-modernidade" (este, claramente, cunhado a partir de Freud e seu "Mal Estar na Civilização", de 1930).

Seu estilo era marcado pelo entrelaçamento de conceitos da filosofia e da sociologia, dialogando com a literatura, com a mídia, e, por que não, com as redes sociais em suas obras mais recentes como "44 Cartas do Mundo Líquido Moderno" (2011).

Vivemos numa época líquida "vigiada" pelo Big Brother das redes sociais. Sofremos por conta de um amor líquido. A vida é líquida. Desperdiçada. Sem referencias sólidas. Em obras como "Amor Líquido", de 2003, Bauman marcou profundamente nosso entendimento dos impasses do afeto em nossa era. Nosso amor se dissolve em água, em dinheiro, em estratégias interesseiras. Olhamos para o mundo do amor como um mercado dos afetos.

Em épocas de sites de relacionamento e de 5.000 amigos no Face, Bauman será sempre uma referência essencial para compreendermos a tragédia banal da modernidade.


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