Folha de S. Paulo


A três meses da estreia, peça sobre Clodovil ainda não tem protagonista

Fabio Braga/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 30-11-2016: James Akel e Lorena Mitre, durante ensaio. Audição de atores para um espetaculo teatral sobre a vida do Clodovil, dirigido por James Akel. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, FOTO)***EXCLUSIVO***.
James Akel e Lorena Mitre, durante ensaio

O sobrado no Brooklin paulistano é inundado por um timbre conhecido, que diz em voz alta frases como: "Meu bem, não sou feliz nem infeliz. Tenho momentos de felicidade" e "Tem coisas duras melhores que a ditadura, querida". A inflexão do tom, ora grave e pungente, ora mole e jocoso, dá a entender que o dono da garganta é Clodovil Hernandes. Mas o estilista e apresentador, morto aos 71 anos em 2009, não está entre as seis pessoas que ocupam a mesa.

É o dramaturgo James Akel, 63, que emula a voz do protagonista de "Clodovil Fantasia da Vida", peça de sua autoria que ficcionaliza com cores espiritualistas os últimos meses de vida de Hernandes. O texto foi finalizado em junho último e está com a primeira montagem marcada para março no teatro Ruth Escobar, na Bela Vista. A peça, entretanto, ainda carece de um protagonista.

A produção já testou sete atores para a tarefa. "Achamos que seria mais fácil, mas eles acabam sendo muito acadêmicos. Não queremos um pastiche do Clodovil nem um ator que queira dar muito sua cara a ele, como o Daniel Day-Lewis fez com o Abraham Lincoln." A intenção artística é achar um ator que, com caracterização, peruca e figurino, consiga remeter a plateia ao homem da moda, já na fase em que a cabeleira estava branca, sem fazer troça de seus trejeitos.

Semanas antes, um ator e diretor veterano, com passagens por Globo e Record, havia aceito a tarefa. "Ia ser uma performance digna de prêmio", diz Akel, "mas agora ele foi escalado para uma novela e as agendas não batem mais". Alguns outros testes estão marcados para os próximos dias.

Enquanto isso, o elenco se sedimenta sem a figura central. A Folha acompanhou uma passagem de texto que serviria também como teste de elenco para os demais papéis, todos femininos. Estavam presentes as atrizes Ana Paula Bueno, 36, Yara Forrer, 67, e Lorena Mitre, 36, intercalando leituras de uma parlamentar recalcada que trama pelo fim da vida do estilista que virou político, uma assessora de celebridades B e a misteriosa figura sobrenatural que faz da peça uma biografia espiritualizada.

A narrativa se inicia quando Clodovil é demitido do canal de TV em que trabalhava, e encontra uma mulher misteriosa que o acompanha até o fim de sua vida.

A primeira interpretação da vida do artista de língua ferina e humor perfurocortante será um drama. "Pra fazer uma comédia comum, teríamos de ter um texto muito quadrado, algo que não faria jus a ele. E fazer um musical exigiria uma estrutura gigantesca", diz Akel.

Mas nem tudo é triste na previsão da montagem. Há no texto uma única cena de humor, em que o protagonista entrevista em seu programa televisivo a Mulher Chuchu, uma ex-participante de reality show que decidiu adotar um legume como alcunha porque o resto do hortifrúti já estava ocupado por mulheres Melão, Moranguinho e Pera, entre outras.

Além do toque de humor, um trecho servirá de memorial para o talento primeiro do homem retratado. Haverá desfiles no meio da peça, com criações originais do modista, que foi considerado o melhor do país por décadas. O Instituto Clodovil Hernandes, que reúne criações do artista e pleiteia a abertura de um museu com seu legado, foi procurado por Akel, mas não respondeu aos pedidos de parceria.

Além de tomar para si a responsabilidade de produzir o figurino, o diretor, que conhecia Clodovil só de trocar ois em festas, também cogita dar ele mesmo vida ao biografado no palco. "Se for preciso, coloco uma peruca e dou conta do recado", diz com sua voz natural.

Em seguida, adota o tom grave e melífluo do personagem principal para terminar de ler o texto, com uma frase adaptada de uma famosa despedida televisiva de Clodovil: "Começar de novo, começar pelo final. Quem sabe a vida não é realmente, quando ela termina, um recomeço?".


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