Folha de S. Paulo


Crítica

Ken Loach não faz chantagem no dramático 'Eu, Daniel Blake'

Quem já fez a experiência de, algum dia na vida, tentar resolver um problema com alguma companhia telefônica logo notará do que Ken Loach está falando em "Eu, Daniel Blake".

É daquela burocracia infernal de serviços que começam por ser automáticos, antes de passar a seres humanos automatizados por protocolos a seguir. Esses, por sua vez, nos fazem andar em círculos, de um ramal a outro, de uma mesa a outra, e depois de volta ao princípio.

Só que o problema de Blake não é telefônico. Ele pretende apenas conseguir o auxílio-doença a que tem direito do governo inglês, após sofrer um enfarte que o impossibilita de exercer a profissão de carpinteiro.

Não bastasse a luta que terá de levar em busca dos auxílios governamentais, Daniel, homem bom, ajudará no que puder a jovem Katie, mãe solteira com dois filhos, que chega a Newcastle com uma mão na frente e outra atrás.

Basta essa sinopse para sabermos que Ken Loach está onde sempre esteve: trata-se de um humanista de esquerda preocupado com o sofrimento imposto aos pobres pelo capitalismo.

E "Eu, Daniel Blake" não cede em nada ao cinismo contemporâneo. Ao contrário, ataca de frente os governos conservadores tanto quanto a automação telefônica e seus protocolos. Todos, sustenta o filme, criados para infernizar a vida dos que precisam da seguridade social.

Que Loach é um cineasta honesto, sabe-se: por mais que mudem os ventos, continua um homem de esquerda. Que é um bom cineasta, também: seu "Daniel Blake", por exemplo, dá conta de uma situação bastante dramática sem que, em momento algum, nos faça algum tipo de chantagem emocional.

A questão que este filme e o tipo de discurso levado por Loach suscitam diz respeito à sua eficácia.

Ou seja: qual o tamanho do efeito que ele pode produzir não naqueles que partilham do ponto de vista do autor, mas, justamente, naqueles que o ignoram ou mesmo hostilizam? (E deve haver muitos, pois na Inglaterra, malgrado as injustiças apontadas pelo filme, os conservadores têm ganho eleições seguidamente).

A resposta: é pequeno. E isso se pode dizer não por algum tipo de arrogância crítica, mas porque Loach maneja um vocabulário já antigo: o seu é um cinema moderno. E o tempo do moderno está revolvido, é o passado.

Percebemos seu envelhecimento tanto quanto a limpidez do estilo ou a integridade de Loach. Tudo que nos diz, no entanto, já foi dito (inclusive por ele mesmo) e é sabido.

Não se pode pedir outra coisa de Loach. Ele é um homem de seu tempo. Estranho, de fato, é que o júri do Festival de Cannes de 2016 o tenha escolhido para a Palma de Ouro.

Ninguém dirá que Loach escolheu o conforto ou o conformismo (cinematográfico). Do júri, sim, é bem isso que se pode dizer.

Eu, Daniel Blake
QUANDO: ESTREIA QUINTA (5)
ELENCO: DAVE JOHNS, HAYLEY SQUIRES E SHARON PERCY
PRODUÇÃO: REINO UNIDO/FRANÇA/BÉLGICA, 2016, 12 ANOS
DIREÇÃO: KEN LOACH


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