Folha de S. Paulo


Crítica

Filho de Jango mostra que pai acreditava na justiça da história

Em "Jango e Eu - Memórias de um Exílio sem Volta", João Vicente Goulart narra a amargura de seu pai no exílio e expõe suas opiniões a respeito do golpe que depôs seu governo. Segundo João Vicente, João Goulart (1919-1976) "acreditava que a história um dia lhe faria justiça".

Jango condenava a radicalização dos líderes da direita (Carlos Lacerda) e da esquerda (Leonel Brizola), que inviabilizaram suas reformas: "Mas não me arrependo de ter me posicionado do lado dos mais fracos".

Ele rebatia as críticas de que poderia ter resistido. Lembrava que não teve o apoio dos progressistas nem sequer para decretar o estado de sítio e dizia que a luta armada contra a ditadura era um erro: "Só vamos sacrificar companheiros. Eu não entro nessa".

Afastado da política, teve sucesso como empresário: comprou fazendas no Uruguai e na Argentina, e foi procurado pelo presidente Juan Domingo Perón para ajudar seu governo a ampliar as exportações de carne. Pagava as contas de muitos exilados no exterior e arrendou um hotel em Montevidéu para recebê-los.

Como os militares não liberavam o seu passaporte, ganhou um do ditador paraguaio Alfredo Stroessner, com quem negociou a construção de Itaipu. Stroessner nunca o abandonou, apesar das pressões do governo brasileiro: "Sou amigo de quem se mostrou meu amigo".

Em 1967, a seleção brasileira de futebol foi cumprimentá-lo em seu apartamento. Só Pelé não foi. "Ele é muito medroso", disse o capitão, Wilson Piazza. Mas, à medida que os generais se perpetuavam no poder, menos brasileiros iam visitá-lo.

Recebia artistas como Maysa, Toquinho e Glauber Rocha (que escreveu uma peça em que ele era devorado pelo povo). Certa vez deixou Vinicius de Moraes contrariado quando lhe sugeriu que escrevesse canções de protesto como Chico Buarque.

Viajava à Europa com frequência para monitorar o coração (tinha sofrido um infarto em 1968) e lá tinha longas conversas com Celso Furtado e Paulo Freire. Mesmo alertado por Miguel Arraes de que corria perigo no Uruguai, resistia à ideia de deixar o país. Mas aceitou o convite de Perón para viver na Argentina depois que os militares uruguaios prenderam sua mulher e torturaram seu filho.

Sondou o governo brasileiro sobre a possibilidade de voltar, mas desistiu quando soube que teria de ficar confinado em São Borja. Dizia que não queria ser tratado como Juscelino Kubitschek: "Ele disse que tinha se arrependido de ter voltado, pois estava sendo humilhado".

Mudou de ideia após a morte de Perón. Despachou os filhos para Londres em 1976, após descobrir que um grupo de direita da Argentina planejava sequestrá-los, e passou a evitar Buenos Aires. Já tinha anunciado que iria voltar quando morreu em sua fazenda em Mercedes.

Jango E Eu - Memórias De Um Exílio Sem Volta
AUTOR: João Vicente Goulart
EDITORA: Civilização Brasileira
QUANTO: R$ 56,90 (350 págs.)


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