Folha de S. Paulo


Em 'coworking' criativo, artistas ocupam antigos hospitais e galpões

Eram cômodos hospitalares, mas hoje fazem as vezes de ateliê ou sala de ensaio. Comprado em 2009 pelo casal Kako Guirado e Géssica Arjona, o antigo hospital Vila Anglo Brasileira, imóvel em meio a ruas tortas entre os bairros paulistanos de Perdizes e Vila Romana, foi transformado no Condomínio Cultural.

Trata-se de uma casa que artistas (plásticos, de teatro, circo etc.) usam como espaço de criação e também compartilham, uns com os outros, seus processos. "Queríamos criar esse ambiente com artistas de diversas linguagens onde as trocas pudessem acontecer", explica Géssica.

A dupla passou a habitar o prédio um ano depois da compra e a reforma do local, abandonado desde de 1995, foi acontecendo aos poucos –e segue ainda hoje. "Foi um trabalho de formiguinha", continua a proprietária. "Uma das salas nós chamamos de 'sala dos pombos' de tantas aves que moravam ali, cheia de buracos no telhado."

A reforma, porém, não escondeu o histórico do prédio. Os cômodos, alguns com parte dos tijolos aparentes, guardam a cara do antigo hospital (que abriu em 1955), com luzes da sala de cirurgia e alguns objetos antigos (como jarras de medicamentos) expostos.

Hoje 60 artistas habitam regularmente a casa. Destes, 13 compõem o núcleo gestor, que se cotiza entre as contas. Outros alugam cômodos para ensaio ou apresentações.

O espaço de 970 m² abriga, por exemplo, o escritório do cenógrafo Márcio Medina e serviu de sala de ensaio para "A Próxima Estação - Um Espetáculo para Ler", com Cacá Carvalho. Do lado de fora, uma horta e um quintal que abriga, entre outros, apresentações de circo e música e aulas (como ginástica para idosos, ministrada por um morador da região). Recebe, em média, 600 pessoas por mês.

Para 2017, o grupo pretende focar a pesquisa na história da casa, além de ampliar o contato com os moradores, criar projetos culinários e investir na residência artística.

Bruno Santos/Folhapress
São Paulo, SP, BRASIL- 23-11-2015: Os atores Caco Ciocler (44) e Ricardo Grasson (45) inauguram na quarta (25,) o CCC (Centro Compartilhado de Criação), na Barra Funda. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** ILUSTRADA *** EXCLUSIVO FOLHA***
Ricardo Grasson e Caco Ciocler no antigo prédio do CCC - Centro Compartilhado de Criação

Dividir o espaço também era a ideia do produtor Ricardo Grasson e do ator Caco Ciocler quando abriram o CCC - Centro Compartilhado de Criação, há dois anos. No fim de 2015, o espaço na rua James Holland, na Barra Funda, antes reservado a ensaios, abriu para o público, com peças, shows, exposições e festas.

A partir do dia 14, a dupla reabre o centro em novo endereço, no mesmo bairro, mas numa rua de acesso mais fácil (a Brigadeiro Galvão) e aluguel mais barato (um terço do anterior). O novo galpão, antigo estoque de tecelagem e de formato semelhante ao anterior, tem um espaço cênico modular de 10 m X 25 m, com arquibancadas móveis, camarins, sala de dança e um bar. Também foi montado um parklet na rua.

Há espaço para criar figurinos e cenários in loco, o que facilita ajustes nos ensaios. Foi o caso do musical "Cartola "" O Mundo é um Moinho", cuja equipe levou para lá quatro máquinas de costura.

"A ideia é que não fosse o espaço de uma só companhia", conta Grasson. Segundo ele, foi preciso selecionar os projetos que ocupariam o CCC tamanha a procura.

"A gente deixa a chave com os artistas [que alugam o espaço], não tem restrição de horário. Isso é difícil de achar. E hoje cada vez mais grupos querem palcos alternativos."

A curadoria busca integrar os artistas. Quando o diretor Alexandre França ensaiava no CCC a peça "Limbo", afeiçoou-se pelas obras de Hélio Moreira Filho, que expunha no local, e o chamou para criar o cenário da montagem.

Neste ano, o centro irá receber montagens como "Doroteia", com Letícia Spiller. Grasson e Ciocler ainda planejam a criação de cursos e de um núcleo de dramaturgia, além de projetos de cinema.

Elisa Mendes/Divulgação
Fachada do Galpão Gamboa na abertura do festival Gamboavista em 16 de dezembro de 2016 FOTO: Elisa Mendes/Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Público em frente ao Galpão Gamboa na abertura do festival Gamboavista em dezembro

Outra dupla criou algo semelhante na zona portuária do Rio. Em 2006, o ator Marco Nanini e o produtor Fernando Libonati compraram o imóvel que se tornaria o Galpão Gamboa, antigo estoque de peças de navio.

"Era meio um faroeste", lembra Libonati sobre a região, à época bastante deteriorada. "Mas a gente queria um espaço em que o social e o cultural caminhassem juntos."

Hoje cerca de 40% do público vem da Gamboa (moradores têm desconto nos ingressos). Há um grupo teatral, formado ali, de senhoras da terceira idade, aulas de artes marciais para crianças e um ateliê de figurinos e artes.

Os dois prédios de três andares que formam o galpão servem de espaço de ensaio e criação das produções de Nanini e Libonati (como "Ubu Rei", que estreia em março) e de outros artistas. Com curadoria de Cesar Augusto (da Cia. dos Atores), o local também recebe os festivais de teatro Gamboavista e Tempo.

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CONDOMÍNIO CULTURAL r. Mundo Novo, 342, tel. (11) 4304-4121; www.condominiocultural.org.br

CCC, r. Brigadeiro Galvão, 1.010, tel. (11) 3392-7485; www.centrocompartilhadodecriacao.com

GALPÃO GAMBOA, r. da Gamboa, 279, Rio, tel. (21) 98460-1350/ 98460-1351; www.galpaogamboa.com.br


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