Folha de S. Paulo


Diretores de TV, cineastas, dramaturgos e escritores traduzem 2016

Grandes tragédias, mortes dolorosas, reviravoltas políticas: os acontecimentos de 2016, por vezes, pareciam ter saído de um roteiro de filme, de uma série de TV, de uma tragédia grega.

E, caso fossem mesmo obra de ficção, qual seria? A "Ilustrada" perguntou a personalidades do mundo das artes: se 2016 fosse...

h1.... UM LIVRO, QUEM TERIA ESCRITO?

"Kafka de 'Na Colônia Penal. Porque nessa novela o poder age em nome de si mesmo e o condenado, por uma causa ínfima, acaba sentindo prazer pela punição, que é feita de forma impessoal e moralizante."
NOEMI JAFFE, escritora e crítica literária

"Mary Shelley. Ninguém sabe onde essa criatura (a coisa que desmanda no país) monstruosa e fora de controle vai parar... E nem quem é ou onde se esconde seu verdadeiro criador."
MARIA VALÉRIA REZENDE, escritora

Divulgação
First illustration of Frankensteins monster on display in Terror and Wonder. Mary Shelley Frankenstein or The Modern Prometheus. London 1831. Photography courtsey of British Library. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Primeira ilustração de 'Frankenstein', personagem criado por Mary Shelley no século 19

"2016 cabe inteirinho na Trilogia U.S.A., do escritor norte-americano John dos Passos. Até sua técnica ficcional -prosa que combina o recorte de jornal com a imagem de cinema- é eficiente para apanhar o dia a dia irascível de 2016."
SILVIANO SANTIAGO, crítico literário e escritor

"Seria um romance escrito a muitas mãos, e também por isso, tão indigesto de ler. O enredo distópico ficaria a cargo de Philip K. Dick. Patricia Highsmith desenharia os personagens principais. Edgar Allan Poe forneceria a ambientação, o clima geral da obra, auxiliado por Lúcio Cardoso. As cenas de ação ficariam por conta de Rubem Fonseca. Fiodor Dostoievski responderia pela dimensão psicológica. Os diálogos seriam puro Samuel Beckett. William Burroughs entraria com os toques de esperança e lirismo."
SERGIO RODRIGUES, ESCRITOR E JORNALISTA

h1.... UM PROGRAMA DE TV, QUAL SERIA?

"'Topa Tudo por Dinheiro'. Por tudo o que a gente viu na política, de dinheiro indo para lá e para cá, os bilhões desviados de todos os buracos possíveis e imagináveis. Inclusive a questão do aviãozinho de dinheiro teve também: aqui, é aviãozinho levando dinheiro para lá e para cá. Esse é o programa da política brasileira."
MARCIUS MELHEM, ator e roteirista do 'Tá no Ar' e do 'Zorra'

Cris Bierrenbach - 2.nov.1992/Folhapress
O apresentador Silvio Santos durante o programa
O apresentador Silvio Santos durante o programa "Topa Tudo Por Dinheiro", do SBT

"'Vale Tudo'. Porque mostra um número enorme de personagens de mau-caráter, sem ética, nem vergonha.Além disso tem duas vilãs antológicas,
uma morre e a outra acaba bem, a nós só resta torcer pelo melhor final..."
SILVIO DE ABREU, diretor de teledramaturgia da Globo

"'House of Cards', porque a desonestidade e maquiavelismo dos homens públicos comandaram as emoções no Brasil e no mundo."
FERNANDA YOUNG, ESCRITORA E ROTEIRISTA

"'Apocalipse', a próxima novela da Record. Porque foi um ano difícil, em que muita coisa deu errado. Trump assumiu e tudo se encaminha para isso [apocalipse]."
FÁBIO PORCHAT, roteirista e apresentador

h1....UM FILME, QUEM SERIA O DIRETOR?

"Buttman: feio, mal-feito e só putaria."
KLEBER MENDONÇA FILHO, diretor

"Buñuel. Pelo tom surrealista das ações das elites"
ANNA MUYLAERT, diretora

"Tarkovsky. Há aspereza e poesia nas obsessões humanas, e há também um mundo pronto para reagir a elas."
FÁBIO BALDO, diretor

"David Lynch: um ano vertiginoso, de tirar o fôlego, que nos mostrou que a realidade pode se transformar em pesadelo."
ANITA ROCHA DA SILVEIRA, diretora

"Brian De Palma, diretor de 'Os Intocáveis'. O surgimento do nosso Eliot Ness, aqui na forma do juiz Moro, desbaratando toda a máfia criminosa do andar de cima. Um drama policial tupiniquim surpreendente e inimaginável sobre a corrupção das políticas públicas no Brasil."
GUILHERME FONTES, diretor

"Spielberg. Com ele, seria uma história emocionante, com uma mensagem linda no final. Depois de um terremoto que destrói tudo, tem um final feliz."
JAYME MONJARDIM, diretor de cinema e TV

"Glauber Rocha, diretor de "Terra em Transe". Porque é o olhar de um cineasta que acredita que só a miragem nos salvará."
JOSÉ LUIZ VILLAMARIM, diretor

Reprodução
Cena do filme
Cena do filme "Terra em Transe", de Glauber Rocha, um dos expoentes do cinema novo

h1.....UMA PEÇA DE TEATRO, QUAL SERIA?

"'As Bruxas de Salem', de Arthur Miller: uma metáfora para as perseguições políticas da época, a religião mostrando sua força, um clima de extremismo, intolerância, retrocesso e medo."
LEONARDO MOREIRA, diretor e dramaturgo

"'Hamlet', de Shakespeare. Ali está tudo: o governo deposto com veneno no ouvido, o povo com sede de vingança. É a cara do que a gente viu no Brasil neste ano."
FELIPE HIRSCH, diretor

"Uma peça de Eugène Ionesco, que retrata um mundo apocalíptico, aprisionado em seus preconceitos, no qual todos gritam clichês e ninguém é capaz de ouvir o outro. Como "O Rinoceronte", que nos mostra como a subjetividade de um povo é frágil e suscetível de ser cooptada."
ROBERTO ALVIM, diretor e dramaturgo

"No Brasil, uma tragédia de Nelson Rodrigues, com coro de vizinhos com panelas e muita traição. Nas palavras de Nelson: "Uma obra pestilenta, fétida, capaz de produzir o tifo e a malária na plateia". Como em "Álbum de Família", com um speaker que dá informações erradas e se transforma numa espécie de opinião pública. No mundo, 2016 foi uma tragédia grega."
ADERBAL FREIRE-FILHO, diretor

"'O Rei da Vela', de Oswald de Andrade. É o americano falando "good business", é o golpe de Abelardo sobre Abelardo [na peça, Abelardo II dá um golpe em seu sócio Abelardo I]."
CIBELE FORJAZ, diretora

h1.... UMA CANÇÃO, DE QUEM SERIA?

"Modéstia à parte, seria minha mesmo, pois faço uma música universal, que abrange todos os povos do mundo, sem preconceitos, e só prima pela qualidade. 2016 foi um ano bom, apesar dos problemas, porque o mundo é mesmo um lugar de obstáculos e as provações da vida são para a evolução, que não é aqui."
HERMETO PASCOAL, COMPOSITOR E MÚSICO MULTI-INSTRUMENTISTA

"Se 2016 fosse uma única música, os compositores seriam os mesmos do núcleo criativo do meu disco "A Mulher do Fim do Mundo", que é aquela rapaziada maravilhosa de São Paulo: Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Rodrigo Campos, entre outros. Só eles poderiam traduzir esse ano tão intenso, com assuntos tão espinhosos, de maneira esperta e moderna."
ELZA SOARES, CANTORA

"Este ano revelou o que há de pior na sociedade brasileira, só os Racionais para desmascarar 2016."
PAULO MIKLOS, MÚSICO, EX-VOCALISTA DO TITÃS

"Se 2016 fosse uma canção, seria "Serenata", de Franz Schubert e Ludwig Rellstab, uma música por um mundo maior e melhor."
ARTHUR NESTROVSKI, DIRETOR ARTÍSTICO DA OSESP

"Seria depressiva, como o Waldick Soriano em "Eu Não Sou Cachorro Não". Isso talvez seja o que o povo está cantando, porque existe uma crise estabelecida, uma violência muito grande, crise dos refugiados, guerra na Síria. Espero que em 2017 as coisas venham a melhorar."
ALCEU VALENÇA, CANTOR E COMPOSITOR

"Seria a própria humanidade, com suas qualidades e defeitos. Talvez o Noel Rosa, com sua grande capacidade de cronista, pudesse ter escrito uma canção com tanto vai e vem, com incompreensão da realidade, e também esperança no que vem pela frente."
HAMILTON DE HOLANDA, BANDOLINISTA E COMPOSITOR


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