Folha de S. Paulo


Relação turbulenta de Carrie Fisher e Debbie Reynolds inspirou livro e filme

Em seu livro de memórias, "Unsinkable", a atriz Debbie Reynolds conta da reação que teve ao ouvir do diretor Mike Nichols que ela não era a pessoa ideal para interpretar Doris Mann no filme "Lembranças de Hollywood" (1990).

"Como é que é?", disparou. "Não sou a pessoa certa para interpretar a mim mesma, papel que tenho desempenhado inadvertidamente para a minha filha faz décadas?"

Ron Galella/IMDb
Mãe e filha, as atrizes Debbie Reynolds e Carrie Fisher se encontram em Nova York em 1972
Mãe e filha, as atrizes Debbie Reynolds e Carrie Fisher se encontram em Nova York em 1972

"Lembranças" é baseado em "Postcards from the Edge", romance semiautobiográfico escrito pela filha de Reynolds, Carrie Fisher. Trata de uma atriz viciada em drogas (Meryl Streep) que tenta recuperar a carreira enquanto lida com a mãe controladora, a também atriz Doris (Shirley MacLaine, que acabou ganhando o papel).

Quando a morte de Reynolds estampou os noticiários, na noite da última quarta (28), não foi pouca a grita com a forma como ela foi apresentada, inclusive nos títulos: "Mãe de Carrie Fisher".

Figura central na era de ouro dos musicais, Reynolds sapateou com Fred Astaire e Gene Kelly (com este em "Cantando na Chuva"), ganhou estrela na Calçada da Fama e foi devotada colecionadora de relíquias hollywoodianas. Foi, claro, muito mais do que apenas mãe da intérprete da princesa Leia, de "Star Wars".

Mas o epíteto se justifica pelas circunstâncias da morte de Reynolds, aos 84 anos: um acidente vascular cerebral no dia seguinte à morte da filha, que sofreu um ataque cardíaco, além de uma ligação próxima e um tanto turbulenta com ela.

Os holofotes hollywoodianos certamente pesaram nessa turbulência toda: quando Carrie nasceu, em 1956, seus pais eram "namoradinhos da América", como ela mesma os definia. "Há todo um fardo quando se é filha de astros do cinema e seu rosto estampa a capa da revista 'Life' aos dois minutos de vida", disse à "Rolling Stone" na época do lançamento de "Star Wars: O Retorno de Jedi" (1983).

Em 1959, quando seu pai, o cantor Eddie Fisher, trocou Reynolds pela recém-enviuvada Elizabeth Taylor, o caso virou escândalo nos tabloides. Reynolds, ex-amiga próxima de Taylor, recebeu do público comiseração de vítima; a hipersexualizada Taylor virou a vilã ladra de maridos. E Carrie não tinha nem 3 anos ainda.

A filha cresceu ao lado de uma pessoa que reunia excentricidades de atriz hollywoodiana. "Ela acordava como minha mãe, depois ia para o seu imenso closet e voltava como Debbie Reynolds. Era como um lava jato para celebridades", lembrou Carrie no programa de Oprah Winfrey.

OVERDOSE

Na virada dos anos 1960 para os 1970, quando Reynolds já não tinha mais o contrato com os estúdios da MGM, passou a fazer shows em Las Vegas, onde também teve um cassino. A filha acompanhava a mãe nos números musicais, faltando às aulas do ensino médio.

Na autobiografia "Memórias da Princesa", Fisher escreve sobre quando, adolescente, se engraçou com um dançarino gay da companhia da mãe. "Se você quiser transar com Albert, eu posso assistir para dar orientações", ela teria ouvido de Reynolds.

Em 1977, quando os coques da princesa Leia já haviam alçado Carrie Fisher ao posto de musa, a filha de Reynolds passou a enfrentar os primeiros sintomas de um transtorno bipolar –e remediá-los com drogas e cocaína.

A doença foi o "ponto mais baixo" na convivência, segundo a mãe. "Como ela poderia lidar com aquilo? Como eu poderia ajudá-la? Tudo o que eu podia fazer era amá-la", disse, numa entrevista.

Em 1985, uma overdose de remédios levou Fisher a uma internação –e a inspirou a escrever o livro "Postcards from the Edge". Na trama, a atriz Suzanne Vale sai de uma clínica de reabilitação e é obrigada a voltar a viver com a mãe, Doris Mann, diva excêntrica e de presença sufocante.

Debbie Reynolds e Carrie Fisher eram vizinhas e dividiam o mesmo quintal em Los Angeles. O funeral, ainda sem data, será conjunto.


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