Folha de S. Paulo


'Tempos ruins na política são bons para a literatura', diz Andrew Wylie

O mais importante agente literário do mundo, Andrew Wylie, 69, está desembarcando na América Latina.

A agência Wylie, que tem sedes em Londres e em Nova York e representa autores como Vladimir Nabokov, Salman Rushdie, Philip Roth e Bob Dylan, agora quer ampliar seu catálogo de língua espanhola e portuguesa.

Entre seus mais de 1.100 representados, já tem Jorge Luis Borges e Jorge Amado, mas o americano acha pouco.

"Há uma espécie de 'boom' latino-americano acontecendo novamente, e queremos fazer parte disso", declarou, na Feira do Livro de Guadalajara, no México.

Alex Majoli / Magnum Photos/Latinstock
*** FOTO COMPRADA ILUSTRADA*** USA. New York City. 2007. Literary agent Andrew WYLIE aka
Andrew Wylie em 2007, quando agenciava mais de 600 autores

Com o termo"boom" ele alude à geração de García Márquez (Colômbia), Julio Cortázar (Argentina) e Carlos Fuentes (México), que, nos anos 1960 e 1970 projetou os romances da região como um novo gênero literário.

Após duas tentativas frustradas de comprar a agência da mítica catalã Carmen Balcells (1930-2015) –que representa o legado dos principais autores do "boom"–, Wylie iniciou seu próprio empreendimento na região, abrindo uma seção na agência para atrair novos autores latino-americanos, sob direção do mexicano Cristóbal Pera.

No Brasil, boa parte do catálogo de Wylie sai pela Companhia das Letras. Ele foi também o responsável por aproximar a editora brasileira e a Penguin, que comprou 45% dela em 2011.

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Leia a entrevista que concedeu à Folha, no México.

Folha - Por que o interesse em literatura latino-americana?
Andrew Wylie - Já vínhamos representando autores da região há tempos, como [o chileno] Roberto Bolaño (1953-2003) e [o argentino] Borges (1899-1986). Mas hoje sinto que há uma energia renovada aqui. Vemos que esse mercado está crescendo, e é por isso que estamos fazendo esse investimento.

O sr. fez uma tentativa frustrada de se associar à agência de Carmen Balcells. Era uma fusão ou uma aquisição?
Bom, ela achava que seria uma fusão, mas eu queria comprar [ri]. Nós conversamos pela primeira vez nos anos 1990, e não houve entendimento. Quase uma década depois, ela me escreveu dizendo: "Wylie, vamos juntar nossas agências?". Começamos uma conversa que durou um ano e meio, mas aí ela morreu. Então abrimos essa seção na agência, coordenada por Cristóbal Pera, que está fazendo a seleção e a escolha de autores.

O sr. sempre foi muito crítico com relação à Amazon e ao modo como comercializa livros. Mudou de visão?
Não, absolutamente. O desejo da Amazon é fazer com o mundo editorial o que a Apple fez com a indústria da música, baixar absurdamente o preço dos livros, até o ponto em que os autores, em vez de ganharem US$ 3 ou US$ 4 por cópia, recebam apenas 10 centavos. A Amazon é uma desgraça, um ataque à cultura. É importante que o mundo editorial apoie autores para combater as obscuras intenções da Amazon.

1% de Willys

Mas o sr. acha que houve progresso nesse sentido?
Vejo a Amazon repensando a estratégia para o mundo editorial. As grandes editoras têm tido sucesso em fazer com que ela entenda que há limites no que pode fazer, ou pelo menos que nosso mercado não vai tolerar ser dirigido a uma equação em que os livros se desvalorizem tanto.

Mas isso parece ser uma tendência, o sr. mesmo mencionou a Apple com a música, mas aconteceu também com a Netflix e os filmes. Por que não iria acontecer com os livros?
Música e filmes são diferentes. O mercado editorial tem sua própria lógica. Se você quer ter uma editora de sucesso, tem de apoiar os autores, e os autores precisam ganhar uma certa quantia por cópia vendida. Se não for assim, o autor não será capaz de continuar a escrever, e vai ter de buscar outro trabalho, como vender pizzas. Será o fim da cultura.

Houve uma polêmica recente a respeito do legado de Roberto Bolaño. A viúva do autor, de quem ele estava separado ao morrer, contratou a sua agência e resolveu mudá-lo de editora, lançando agora uma obra póstuma ("El Espíritu de la Ciencia-Ficción"). Seu anterior representante e a então companheira dele insinuam que a viúva está sendo oportunista, e há críticos que levantaram dúvidas sobre se Bolaño gostaria mesmo de ver este livro publicado.
Eu considero esse caso encerrado. Carolina López [a viúva do chileno] é a herdeira legal de Bolaño. Seu desejo deve ser seguido. Ela tem o direito de escolher qual editora irá publicar seu trabalho e qual texto inédito deve sair.

A questão dos herdeiros em geral é algo com que, nós, agentes, temos de lidar todo o tempo. Mas para mim é muito simples. O sujeito compra uma casa e cria sua família ali. Quando ele morre, a casa pertence à família. Não interessa que depois um vizinho chegue e diga que, porque beijou uma vez o proprietário morto, ele tenha algum direito sobre a herança.

Mas é que, às vezes, não se trata apenas de um beijo, Bolaño não vivia com a viúva havia tempos.
Não interessa. Se ele a designou como herdeira, não quero saber de suas outras relações nem entrar nesse tipo de intimidade. Por isso considero esse caso encerrado.

O sr. costuma fazer críticas à literatura mais comercial. Não aceitaria publicar algo como "Cinquenta Tons de Cinza"?
Eu me considero um sortudo. Tenho um ponto de vista egoísta. Sei que não quero estar no mesmo negócio que "Cinquenta Tons de Cinza". Se estivesse, teria de acordar de manhã e gastar um tempão conversando com figuras como a autora desse livro, que seguramente é uma pessoa que não me interessa.

A única razão para alguém se envolver com isso é o dinheiro. A pergunta que eu tinha quando comecei no mercado era: será que eu posso fazer dinheiro suficiente para sobreviver sem ter de representar autores como a de "Cinquenta Tons de Cinza"? Posso montar um negócio apenas com escritores que admire?

Tenho sorte de ter alcançado isso. Quando o telefone toca, eu não tenho que me esconder debaixo da escrivaninha por ter medo de ser a autora de "Cinquenta Tons de Cinza" [ri].

Seria como ter um negócio baseado em "telenovelas" [diz, em espanhol]. Daria muito dinheiro, mas também significaria que eu teria de passar metade da minha vida assistindo a "telenovelas". Por sorte não é meu caso.

Crê que a eleição de Donald Trump terá impacto no seu negócio e na literatura?
Tempos ruins na política costumam ser bons para a literatura e para a não ficção.

O fato de que o país será governado por um homem que é conhecido como um animador de televisão é um mau sinal para a cultura.

Mas ele perdeu o voto popular, portanto mais de 50% dos EUA permanecem na nossa sintonia e creio que isso compõe um número suficiente de leitores.

Também acho que vai haver mais produção, pois períodos de crise aguçam isso.

Por outro lado, como empresário, creio que, se ele fizer metade do que diz, estaremos em situação muito perigosa. Os EUA e o mundo todo.


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