Folha de S. Paulo


Crítica

'Blow-Up', relançado após 50 anos, é retrato sagaz da psicodelia

Alguns filmes capturam tão bem o espírito de seu tempo que se tornam datados. Quando voltamos a eles, nos surpreendemos ao ver como as pessoas se vestiam, como amavam, passeavam.

"Blow-Up", de Michelangelo Antonioni, é um desses filmes. Seu relançamento, em cópia restaurada, marca os 50 anos de sua estreia mundial, ocorrida nos EUA, em 18 de dezembro de 1966.

Primeiro de um período de filmes que Antonioni filmou em inglês após a fase franco-italiana que o popularizou, "Blow-Up" é uma produção de Carlo Ponti para a MGM, rodada na Inglaterra com fotografia de Carlo Di Palma, o mesmo de seu longa anterior, "Deserto Vermelho" (1964).

Divulgação
David Hemmings e Veruschka von Lehndorff em cena de 'Blow-Up
David Hemmings e Veruschka von Lehndorff em cena de 'Blow-Up'

Talvez seja a fase mais notável da carreira de Antonioni. É completada por dois filmes explosivos, dos melhores que fez: "Zabriskie Point" (1970) e "Profissão: Repórter" (1975), com Jack Nicholson.

Por que "Blow-Up" ficou datado? Primeiramente, por seu conteúdo. Vemos o fotógrafo Thomas (David Hemmings) como um dândi irresponsável e caprichoso, que trata as pessoas como serviçais e tem mulheres a seus pés, entre elas, por motivo pouco nobre, a grande Vanessa Redgrave.

Numa Londres efervescente, colorida e musical, prestes a entrar em seu primeiro verão do amor, todos parecem viver numa longa viagem de ácido lisérgico.

O esboço de trama envolve a suspeita de um assassinato, causada pela ampliação ("blow up") das fotografias tiradas por Thomas. Será que é mesmo um assassinato o que ele descobriu? Ou os grãos originados pela ampliação o levaram a ver demais?

Esse tipo de questionamento seria amplificado anos depois por Brian De Palma e seu fundamental "Um Tiro na Noite" ("Blow Out", no original).

Finalmente, "Blow-Up" é datado no estilo: cortes desconexos, movimentos de câmera agressivos e zooms esquisitos. Antonioni brinca com métodos da nouvelle vague francesa e do cinema de autor italiano da época.

Mas datado, no caso, não quer dizer necessariamente algo negativo. Todo filme nos diz muito sobre a época em que foi feito, e é muito difícil um filme realizado e ambientado nos anos 1960, tempo de características muito marcantes, não parecer, de algum modo, uma peça de museu.

Numa das cenas mais célebres, Thomas entra num clube onde tocam os Yardbirds, no curto período em que estavam na banda, ao mesmo tempo, dois guitarristas que pouco depois se tornariam imortais: Jimmy Page e Jeff Beck.

"Blow-Up" é um retrato brilhante do momento em que surgia a psicodelia londrina, filmado por um dos observadores mais sagazes do comportamento burguês. É datado porque nos transporta diretamente para aquela época. E esse tipo de viagem só os grandes filmes proporcionam.

*

BLOW-UP - DEPOIS DAQUELE BEIJO (BLOW-UP)
DIREÇÃO Michelangelo Antonioni
ELENCO David Hemmings, Sarah Miles, Vanessa Redgrave e Verushka
PRODUÇÃO Reino Unido/Itália/EUA, 1966, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (8)


Endereço da página: