Folha de S. Paulo


Carolina Caycedo denuncia estragos ambientais em vídeos e instalações

Nas imagens de satélite que Carolina Caycedo usa em seus vídeos e colagens, homens são invisíveis, já que as câmeras orbitando o planeta flagram no máximo caminhões e grandes máquinas em ação.

"Essa é a perspectiva do poder, que as empresas e os governos têm sobre os territórios", diz a artista. "São imagens sem vida, que revelam como avança uma construção, mas que não mostram pessoas, pássaros, peixes."

Na atual Bienal de São Paulo e também numa mostra no Museu de Arte da Universidade Nacional da Colômbia, em Bogotá, Caycedo trabalha com imagens de rios e hidrelétricas para contrastar a visão distanciada do poder com a perspectiva de quem está no lugar.

Divulgação
Cena do filme 'Esto No Es Agua', de Carolina Caycedo
Cena do filme 'Esto No Es Agua', de Carolina Caycedo

Seus personagens, aliás, estão nos arredores de Itaipu, de Belo Monte, da barragem colombiana de El Quimbo e outros pontos do planeta onde a natureza vem sofrendo transformações radicais em função de megaestruturas ligadas ao avanço capitalista.

Nascida em Londres, filha de colombianos e radicada em Los Angeles, Caycedo parece observar o mundo pelo filtro da globalização, que mergulhou florestas e cidades num ritmo de mudanças desconhecido até pouco tempo atrás.

Nesse sentido, sua obra, de forte pegada ativista, é ao mesmo tempo uma denúncia calcada na documentação de estragos ambientais e um esforço mais delicado de preservar existências em risco nas regiões que decide investigar.

"Enquanto na macroescala existe a perda de um espaço, que fica inundado, na microescala se perdem os gestos associados a essa geografia", diz ela. "São coreografias cotidianas, como a forma de pescar, que estão em perigo. É o que chamo de 'geocoreografias'."

Esses gestos se materializam na Bienal em redes de pescar atulhadas de pequenos objetos penduradas em torno da rampa do pavilhão no Ibirapuera. Ali estão coisas que foi ganhando de seus entrevistados, personagens de suas obras, nessas zonas em convulsão.

No caso, é uma fração da obra, já que Caycedo considera o tempo que passa se deslocando a esses lugares e conversando com ribeirinhos uma outra vertente, menos plástica, de seu trabalho.

Ela filma os encontros, posta vídeos nas redes sociais e se envolve com ativistas, mas nada disso está nas galerias, bienais e museus.

Nos cubos brancos que ocupa, Caycedo tenta dar uma dimensão mais formalista da violência que marca o assunto.

Ou potência, como os vídeos que mostra em Bogotá. Quatro enormes telas numa sala escura exibem visões de rios e cachoeiras agitadas. Multiplicadas e espelhadas de forma caleidoscópica, essas visões, acompanhadas do som ensurdecedor dos turbilhões, lembram às vezes a estética errática de velhos videoclipes, ainda deslumbrados com efeitos rudimentares.

Caycedo defende esses exercícios formais um tanto exagerados como parte de sua estratégia de desestabilizar as fórmulas usadas no registro da natureza, um manifesto contra a pintura de paisagem ou o estilo de uma revista "National Geographic".

"É um exercício de desaprender a ver o rio, por isso a cachoeira flui para cima, para os lados", diz ela. "Entendo a paisagem como um objeto colonizador do território, já que a arte nos ensina a ver e filmar a natureza usando as mesmas fórmulas universais, que tomam uma distância de seu objeto. Mas não me interessa me distanciar sem me envolver."

Esse corpo a corpo com o caos, na visão de Caycedo, é o primeiro passo para solucionar os conflitos, daí sua crítica às atuais negociações do governo colombiano com narcotraficantes. "Essa é uma paz corporativa, em que as guerrilhas se integram à vida política para assegurar investimentos estrangeiros", diz ela. "Não envolve quem está nos campos de batalha, na linha de frente, lutando no calor."


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