Folha de S. Paulo


Turbinados pela internet, móveis modernistas invadem lojas populares

Quando a primeira geração de designers modernistas no país começou a criar mesas e cadeiras simples, com os fininhos pés palito e encostos de palhinha, a ideia era que esse mobiliário fosse parar em todas as casas do país, uma revolução estética.

Mas a indústria nunca chegou a criar linhas de montagem para peças hoje raras de Joaquim Tenreiro, Lina Bo Bardi, Geraldo de Barros e tantos outros que tentaram criar aqui em meados do século passado uma espécie de Bauhaus, a escola alemã que também fracassou na tentativa de espalhar pela Europa móveis que aliassem forma e função com plasticidade arrebatadora.

Depois de conquistar museus mundo afora e bater recordes em leilões, esses móveis-fetiche agora ressurgem em novas encarnações nos mais improváveis endereços -gigantes do varejo como Casas Bahia, Marabraz e Magazine Luiza vêm anunciando cadeiras, mesas e armários de estilo "retrô", "moderno", "vintage" ou às vezes só "design".

Divulgação
Móvel de inspiração retrô vendido pelo Magazine Luiza
Móvel de inspiração retrô vendido pelo Magazine Luiza

Mesmo que variações um tanto estranhas ou grosseiras da estética que tentam imitar, essas peças viraram moda entre as classes menos abastadas, indo além das lojas de luxo, e passaram a ser fabricadas em grande escala, o que nenhum dos criadores do auge do modernismo no século 20 chegou a ver acontecer.

"Está cada vez mais gritante a demanda por isso", diz Nader Fares, diretor comercial da Marabraz. "A busca começou a disparar há uns dois anos."

Na visão de Fares e outros diretores de grandes lojas, a raiz dessa tendência não tem a ver com um surto de interesse pela história do design. Seriados da Netflix, como "Mad Men", outros serviços de TV por streaming e até vídeos do Porta dos Fundos no YouTube são apontados como motores da popularização -ou banalização- dessa linguagem.

"Se tem uma menina no YouTube que dá aula de maquiagem com uma penteadeira, de repente tem uma busca enorme por aquilo", diz Fares. "Uma pessoa que estava acostumada a ver TV aberta agora está vendo séries americanas, europeias, com móveis que saem do padrão que a gente vendia. A gente tem fornecedores que mudaram o foco para produzir móveis desse tipo."

Na Via Varejo, grupo que controla Casas Bahia e Ponto Frio, o crescimento também foi vertiginoso. André Caio, diretor comercial de móveis da empresa, diz que metade dos R$ 4 bilhões faturados com a venda de mobiliário nas lojas no ano passado responde por vendas de peças "que têm uma cara diferente do que tinham antes". "São produtos que já trazem conceitos de design."

CARONA
Essa explosão de mobiliário com ares modernistas nas gigantes da indústria pega carona num fenômeno que já vinha ganhando força nos últimos anos com lojas que surgiram on-line e logo foram ganhando presença física, entre elas Oppa e Desmobilia, conhecidas por criações originais com nítida inspiração em clássicos modernos.

Muito antes que as Casas Bahia e Marabraz sonhassem em adentrar esse campo, essas empresas tentavam levar design a um preço mais acessível, mas com cara de clássico, a uma clientela em geral urbana, jovem e descolada.

Desde que surgiu, há cinco anos, a Oppa, por exemplo, vem fazendo parcerias com youtubers e cenógrafos de filmes e programas de TV paga para exibir seus móveis.

"Isso funciona muito mais do que a televisão aberta", diz Egimar Cardoso, diretor-executivo da empresa. "É como o público está olhando para o mobiliário agora. O on-line é muito mais forte. Estamos tratando o móvel como moda, algo que tem um ciclo."

FELIZES NOS TÚMULOS
Nesse sentido, a internet e a TV por streaming parecem ter turbinado uma onda que começou com revistas de decoração, com a diferença que agora uma cadeira, uma mesa ou um sofá pode chegar a viralizar nas redes sociais.

"Esse discernimento em geral está muito mais apurado", diz a crítica de design Adélia Borges. "Até o fim do século 20 você não conseguia encontrar nas lojas um móvel sem ornamento. É bom que as pessoas estejam se interessando agora por móveis com essa qualidade estética. Nos seus túmulos, muitos designers devem estar felizes."


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