Folha de S. Paulo


Crítica

Diretor supera desafios de adaptar aclamada obra de Cristovão Tezza

O diretor Paulo Machline se impôs ao menos três desafios ao levar "O Filho Eterno", de Cristovão Tezza, às telas.

O primeiro era lidar com um mote complexo e escorregadio, as contradições de um pai após a descoberta de que seu filho havia nascido com síndrome de Down.

Em 1982, em Curitiba, o escritor Roberto (Veras) espera a chegada do filho Fabrício (Pedro Vinícius) como ponto de passagem para uma nova fase de sua vida. Só que nada ocorre como previsto.

A existência de uma criança com essa alteração genética provoca no personagem sentimentos com os quais mal sabe lidar: rejeição, vergonha, impaciência. Como acompanhar essa relação e as transformações pelas quais passa na infância e na adolescência de Fabrício?

Machline constrói um filme de estrutura simples, o que, neste caso específico, diante de tantas nuances emocionais, parece ser a melhor saída. Importa sobretudo seu olhar sensível, que realça a situação dramática com sutileza, sem reiterações que poderiam dar um tom apelativo.

A trilha sonora segue uma linha minimalista, mas há um certo excesso de inserções musicais ao longo da trama. Não é, porém, opção que chega a comprometer o filme.

O segundo desafio guarda relação direta com o primeiro. Como levar ao cinema um romance tão celebrado como "O Filho Eterno" (2007), vencedor de uma penca de prêmios, como o Jabuti, sem empobrecê-lo?

Não existe uma tentativa de Machline e sua equipe de fazer com que o filme se ombreie ao livro em profundidade. Apesar das adaptações necessárias, a síntese para as telas demonstra reverência ao texto, o que se revela aqui um caminho bem-sucedido.

O terceiro desafio talvez soe o mais trivial, mas a verdade é que poderia ter derrubado o filme logo nos primeiros minutos.

Era um risco escalar Marcos Veras, habitualmente ligado a papéis cômicos, como um protagonista de um longa rigorosamente dramático.

O Filho Eterno
Cristovão Tezza
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Quando conduzidos com cuidado, esses deslocamentos de identidade enriquecem uma cinematografia. Foi o que fez Selton Mello em "Feliz Natal" (2008), que tinha o humorista Lucio Mauro como um pai amargurado.

Pois Veras vai muito bem, transitando entre exasperação, angústia e aceitação. A registrar ainda a bela participação do menino Pedro Vinícius como Fabrício.

Superados os desafios, portanto, Machline, de longas como "Trinta" e "Natimorto", nos apresenta seu melhor filme.

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O FILHO ETERNO
DIREÇÃO Paulo Machline
ELENCO Marcos Veras, Débora Falabella, Pedro Vinícius
PRODUÇÃO Brasil, 2016, 14 anos
QUANDO: em cartaz


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