Folha de S. Paulo


crítica

Virtude é construir flutuações de sentimentos familiares

No que tem de melhor, "É Apenas o Fim do Mundo" evoca a nostalgia da relação familiar: Louis (Gaspard Ulliel) volta à casa da família após 12 anos distante. Encontra, desde que pisa na soleira da casa, um grupo completamente destrambelhado.

Lá está a mãe um tanto amalucada (Nathalie Baye faz essa louca de histeria com classe), a irmã menor drogada (Léa Seydoux), o irmão mais velho (Vincent Cassel) em estado de permanente mau humor e a cunhada (Marion Cotillard) que tenta ajeitar mais ou menos todos esses desencontros, como um escultor desengonçado a apanhar do mármore que talha.

É fácil identificar-se aos personagens de "É Apenas o Fim do Mundo". Por particulares que sejam as questões postas, que família não conhece esses silêncios, esses não-ditos, esses vazios em que os afetos escorregam, se bloqueiam, se perdem?

É verdade que aqui a situação é mostrada em tintas fortes, como numa demonstração. A volta ao lar de Louis, dramaturgo conhecido, exacerba até o paroxismo os desequilíbrios dos que o cercam.

De certa forma, é quase impossível não pensar em Tennessee Williams (o filme por sinal é inspirado em uma peça teatral). Com efeito, tudo parece preparado para um desnudamento desses personagens que, quanto mais tentam instaurar uma situação de "normalidade", mais expõem suas patologias.

A essa matéria teatral, Xavier Dolan teve o bom senso de tratar sem fugir à teatralidade. Trabalha quase todo o tempo no ambiente da casa. As únicas escapadas são em raros e breves "flashbacks" que dão conta de uma vivência familiar antiga ou da homossexualidade de Louis.

Dolan opta, no mais, por cenas não raro fechadas no rosto dos personagens: expressivos, no caso da família, neutro, no caso de Louis.

O recém-chegado é um estranho personagem, com um enigmático meio sorriso (tipo Mona Lisa) que nunca saberemos se traduz tentativa de compreensão, mera estupefação ou conformismo com sua patética família.

Talvez por isso as conversas só possam acontecer quando cada uma dessas pessoas está longe das demais.

Uma sombra de entendimento se desenha, um entendimento quando todos estão juntos. Talvez nesses momentos a lembrança de afetos passados se imponha às razões do presente.

Essa é a virtude maior de Dolan neste filme: construir com precisão essas flutuações de sentimentos que unem e afastam, ao mesmo tempo, pessoas próximas: como se a presença física dessa pessoa trouxesse algo com que Louis não pode conviver. Como se a presença fosse uma sombra a toldar a fantasia feliz que pôde alimentar sobre essas pessoas.

De algum modo, "É Apenas o Fim do Mundo" manifesta um amadurecimento do precoce cineasta, canadense, que estreou no longa trazendo o sintomático título de "Eu Matei Minha Mãe" em 2009 (aos 20 anos!).

Novamente os sentimentos estão à frente, embora agora sejam outros ou, em todo caso, tratados de outra forma.

Não é mais a oposição entre os familiares o aspecto mais saliente, mas a busca de entendimento entre eles.

É APENAS O FIM DO MUNDO (Juste la fin du monde)
DIREÇÃO Xavier Dolan
ELENCO Gaspard Ulliel, Vincent Cassel, Marion Cotillard, Nathalie Baye, Léa Seydoux
PRODUÇÃO França, 2016, classificação não informada
QUANDO estreia na quinta (24)


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