Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Jornada de enxadrista vira conto de fadas em 'Rainha de Katwe'

trailer

Fome, miséria, sucessivas tragédias familiares, luta pela sobrevivência. O cenário de tanta desgraça é uma das favelas mais pobres de Kampala, capital de Uganda.

Esses ingredientes bastante atípicos em uma produção dos estúdios Disney (numa parceria com a ESPN Films) temperam o longa "Rainha de Katwe", em cartaz a partir de quinta (24).

Baseado em fatos reais, o filme conta a história de Phiona Mutesi (Madina Nalwanga), menina pobre e analfabeta da região de Katwe que vê sua vida mudar depois que ela se descobre uma exímia jogadora de xadrez.

Divulgação
A atriz Madina Nalwanga (à esq.) como Phiona Mutesi, a jovem enxadrista de Uganda retratada no longa 'Rainha de Katwe'
A atriz Madina Nalwanga (à esq.) como Phiona Mutesi, a jovem enxadrista de Uganda'

A jornada da garota-prodígio veio a público em 2011, quando o jornalista Tim Crothers publicou seu perfil na "ESPN Magazine". No ano seguinte, o artigo ganhou fôlego e virou um livro, cujos direitos foram comprados pela Disney.

Fiel à sua marca registrada, o estúdio tratou de transformar a saga da jovem ugandense em um conto de fadas.

Um conto de fadas bem às avessas, sem príncipe encantado, sem glamour, sem castelo. Mas com direito a final feliz e impulsionado por uma trajetória de superação e por uma escolha certeira do elenco.

As atuações afinadas de Lupita Nyong'o, David Oyelowo e da novata Madina Nalwanga enchem a narrativa de emoção e carisma.

Pelas ruas de Katwe, Phiona e o irmão ajudam a mãe, Nakku Harriet (Nyong'o), a vender vegetais para o sustento da família. Certo dia, o caminho da menina esbarra no do professor Robert Katende (Oyelowo), que ensina xadrez às crianças da comunidade.

Apresentada ao tabuleiro, Phiona não demora para se revelar um talento nato. Por meio do esporte e sempre apoiada por Katende (uma fada madrinha nada convencional), ela entra em contato com um universo alheio à pobreza: campeonatos, viagens, hotéis, comida farta. Quando volta, reencontra a miséria em casa.

De forma quase didática, o filme leva o espectador a entender que o jogo de estratégia é, na verdade, uma metáfora da vida das crianças de Katwe. Persistência, paciência, determinação e planejamento podem ser a chave para o sucesso.

Premissa meio falha diante de um contexto tão adverso. Phiona é a exceção, não a regra. Está aí uma das derrapadas.

Ainda que retratada no lixo das ruas, na precariedade das moradias, na indiferença ao sofrimento alheio e no prato vazio, a miséria ganha contornos atenuados e cores alegres.

O filme também não escapa dos clichês e das manobras para tornar tanta desgraça algo menos indigesto.

Mas não se deve esquecer que "Rainha de Katwe" é uma produção Disney destinada, inclusive, a crianças. Nesse sentido, apesar dos equívocos, é bem-vinda por trazer às telas uma versão da realidade extremamente distante da maioria de seu público.

RAINHA DE KATWE (Queen of Katwe)
DIREÇÃO Mira Nair
ELENCO Madina Nalwanga, Lupita Nyong'o, David Oyelowo
PRODUÇÃO EUA, 2016, 10 anos
QUANDO estreia na quinta (24)


Endereço da página: