Folha de S. Paulo


'Todos os meus filmes são histéricos', diz diretor canadense Xavier Dolan

Divulgação/Divulgação
A atriz Marion Cotillard, o diretor Xavier Dolan e a atriz Nathalie Baye no set de 'É Apenas o Fim do Mundo
A atriz Marion Cotillard, o diretor Xavier Dolan e a atriz Nathalie Baye no set de 'É Apenas o Fim do Mundo'

Berra-se muito em "É Apenas o Fim do Mundo", novo filme de Xavier Dolan, que estreia nesta quinta (24). Berra a mãe histérica, berra o irmão abrutalhado, berra a irmã carente. Também são berrantes as cores e as músicas.

Berra-se tanto que a crítica cravou que este seria o filme mais histérico de um jovem diretor famoso justamente por ser o oposto do contido.

"A vida é violenta. Se as pessoas nunca ouviram ninguém gritar, e se para elas isso irrita, bem, elas podem assistir a outros filmes", recomendou o cineasta de 27 anos a um pequeno grupo de jornalistas que incluiu a Folha. "Foi surpresa terem chamado meu filme de histérico. Todos os meus filmes são", diz.

Seu longa havia estreado no Festival de Cannes, em maio, no dia anterior à entrevista, e a crítica americana havia torcido o nariz: "excruciante", cravou a revista "Variety"; "insatisfatório", escreveu a "Hollywood Reporter".

Ao final da mostra, contudo, "É Apenas o Fim do Mundo" arrebatou o Grande Prêmio do Júri, coroando o abismo entre os jurados e a imprensa que marcou a edição.

A expectativa era alta: desde que o canadense despontou como cineasta, aos 20, havia dirigido atores pouco famosos. Em "É Apenas o Fim do Mundo", Dolan escalou elenco de primeiro time francês: Nathalie Baye, Marion Cotillard, Vincent Cassel, Léa Seydoux e Gaspard Ulliel.

Baseado na peça homônima de Jean-Luc Lagarce, trata do retorno do jovem escritor Louis (Ulliel) para a casa da família, de onde partiu 12 anos antes. Ainda estão lá, congelados no tempo, a mãe expansiva (Baye), o irmão agressivo (Cassel), a irmã acomodada (Seydoux) e a cunhada reprimida (Cotillard).

Louis é gay e precisa contar a eles que contraiu uma doença terminal. Mas diz não se imaginar dividindo nada com os parentes, "nem sangue". O encontro, pergunta-se, servirá para "compensar o tempo perdido ou para anunciar o tempo que ainda resta?".

O encontro, como se verá, servirá para expor as feridas de todos ali -mais uma família disfuncional para o rol das que Dolan costuma retratar.

"Nunca tive conflitos familiares, mas posso imaginar o que é uma família inteiramente disfuncional", diz o diretor. "Venho de família egípcia. Sei o que é ser criado com pessoas gritando -até quando querem mostrar carinho."

DIRETOR FASHION

Dolan chegou para a entrevista com calça jeans apertada, cobrindo as tatuagens com a manga da blusa e de pés descalços. Havia posado para uma sessão de fotos na praia. Há várias dele na internet: trajando terno e bolsa Louis Vuitton, com vestido e salto alto, só de cueca... Conferem um status fashion a um diretor que diz pensar no figurino como uma das primeiras coisas em seus filmes.

Quando o cineasta surgiu, com "Eu Matei Minha Mãe" (2009) e "Amores Imaginários" (2010), viram nele algo de Pedro Almodóvar (o uso das cores berrantes, as atuações uns tons acima), misturado a uma ira pós-adolescente ambientada nos subúrbios da Província de Québec.

Seus primeiros filmes, protagonizados por ele próprio, giram em torno de jovens gays e raivosos que aplacam sua rebeldia nos braços de efebos de beleza platônica.

"Não preciso imaginar o que seja a raiva. Eu sinto muita raiva", responde, quando questionado sobre a profusão de personagens enervados. "Tenho uma propensão à melancolia, aos cantos escuros."

Em seus filmes, as emoções muitas vezes são sublinhadas pelo excesso de canções pop. Não à toa, foi convidado a dirigir o clipe do hit "Hello", de Adele, em 2015, e o encheu de cenas de folhas secas, cabelos esvoaçantes e closes nas caras e bocas da cantora.

Em "É Apenas o Fim do Mundo", uma cena ilustra bem o estilo Dolan: em flashback, Louis contempla o quarto em que passou a adolescência e se vê transando com outro garoto. A cena é saturada como num filtro de Instagram, a música é carregada de sintetizadores e tudo ecoa como comercial de perfume.

Em Cannes, seu filme repetiu o feito do anterior, "Mommy" (2014), que havia levado o prêmio do júri. Nas duas ocasiões, seu discurso de agradecimento foi massacrado nas redes sociais e comparado aos "piores do Oscar".

Chegou-se a cogitar que ele desistiria de apresentar lá o seu sétimo longa, "The Death and Life of John F. Donovan" em 2017 por temer a recepção da imprensa na França. Dolan desmentiu em seu perfil numa rede social e repeliu o que chamou de "bullying".

Questionado na entrevista sobre detalhes da nova empreitada, ele se zanga e diz que não quer comentar: "Está tudo no IMDb", afirma, citando o site que reúne dados sobre novas produções. Está lá que Kit Harrington (o Jon Snow de "Game of Thrones") fará o papel de um ator hollywoodiano cujas correspondências trocadas com um garoto de 11 anos são expostas.

A reportagem insiste. Ele bufa, revira os olhos: "É sobre fama e família, e como os parentes lidam com a fama de alguém que eles amam", diz levantando-se da cadeira e pondo um fim à entrevista.


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